Não sou apologista da existência frugal, nem defendo a fuga para as marcas brancas de tudo. Mas daí até consumir todo e qualquer artigo que a Apple decida parir como se fosse a salvação do purgatório, calma. Não nos sairá demasiado cara esta necessidade de consumir qualquer i-cena que se nos apresente? Aos consumidores compulsivos da maçã, obrigo-me a perguntar: crise, qual crise?
Engraçado como estamos em crise mas olhamos à volta e vemos uma média de 1 MacBook, 1 iPad e 1,5 iPhones por cabeça. Vejo as pessoas a consumir estes bonitos artigos de design com urgência, sofreguidão, como se de bens de primeira necessidade se tratasse.
Entre os consumidores estão amigos meus que eu sei que contam os tostões no fim do mês. E eu pergunto: oi? E eles respondem: “Ah mas a Apple é mais amiga do utilizador”, “Ah mas a Apple processa melhor o AutoCAD”, “Ah mas a câmara da Apple é melhor” – há justificações para o freguês de qualquer ofício, todas a puxar para o fraquinho, porque na realidade a verdade é só uma: a Apple é mais cool. É trendy. É sexy. É amiga do utilizador, sim senhor, mas por contágio na transferência de coolness, trendiness e sexyness.
É o Prozac dos consumidores de tecnologia, só que em placebo e com dois efeitos secundários recorrentes após a compra: a bancarrota e tonturas, derivado de se estar habituado ao Windows e ter de se dançar a lambada cada vez que se procura alguma coisa.
Não sou apologista da existência frugal, nem defendo a fuga para as marcas brancas de TUDO, porque afinal a economia tem de desenferrujar, é importante dar saúde ao poder de compra, encher a carteira de recibos até não conseguirmos fechar, não digo que não. Mas daí até consumir todo e qualquer artigo que a Apple decida parir como se fosse a salvação do purgatório, calma. Em tempos de crise, a maçã de Steve Jobs é a kriptonite da frugalidade. A marca é de tal forma coerciva que chegará o dia em que inventa uma edição limitada de, sei lá, chanatos de esponja daqueles com velcro que fazem rack rack, e pimba, recorde de vendas, tudo a chinelar faça sol faça chuva.
Há que ver os produtos da Apple como são: caros. Mais caros do que os outros. E depois há o IPad, aquele híbrido que não é PC nem smartphone mas fica ali naquela miríade que não molha nem desmolha, diz que “dá para tudo” mas não é tão pequeno que caiba no bolso nem tão grande que corra o Autocad. Na realidade não vem responder a nenhuma necessidade nova e “crítica” da vida humana, mais bem fosse um tablet de Milka para as cachopas com menstruação. É apenas mais um ecrã com pernas, friendly mas exclusivo, na moda mas “alternativo”, com design universalmente consumido mas ironicamente “único”.
Se assim é, o valor acrescentado para o seu portador torna-o comparável a um bonito Casio, uns modernos Ray Ban, uma ousada Louis Vuitton ou outras barbáries dispendiosas à custa de um logo sem que a funcionalidade faça jus. E não é essa a beleza do Marketing?
No tempo em que as vacas gordas podiam engordar, até percebia. Mas agora, olhando para os mileuristas da vida, uma geração que come tudo o que tem no frigorífico a cinco dias do final do mês, não lhes sairá demasiado cara essa escravidão expectante para largar 1800 balas em qualquer I-cena que se lhes apresente? Não será injusto apontar-se o dedo às Pepas Xavieres da vida? Não será de não estranhar o não terem dinheiro para férias? Não o digo com mesquinhice, também eu sofro o poder de sedução do MacBook, mas assumo o mileurismo em voz alta: não-tenho-dinheiro. A vocês, compradores compulsivos da maçã, pergunto sem qualquer arrogância: crise, qual crise?
Este discurso é o mesmo quando falamos do Starbucks, o assalto à nossa carteira por meio litro de cafágua mascarado de bica em copo de cartão com o nosso nome escrito. Mesmo quando somos claramente fêmea e o empregado se precipita na nossa direcção com um capuccino em chamas: “Carlos?!”.
And then again, continuamos a lá ir, e a depositar no conforto fofo dos sofás o álibi perfeito para pagarmos bem, bem mais caro, e não nos sentirmos mal por isso.