Os primeiros camelos viveram no Árctico e estavam adaptados ao frio
O antepassado de um dos animais mais emblemáticos do Sara surgiu há milhões de anos... no Árctico. Só muito mais tarde é que os seus descendentes terão migrado do Pólo Norte para o deserto africano.
Sabe-se que os antepassados dos camelos são originários da América do Norte, onde surgiram há uns 45 milhões de anos, lembra em comunicado o Museu Canadiano da Natureza. Mas entre 2006 e 2010, uma equipa de cientistas, liderada por Natalia Rybczynski, paleontóloga daquela instituição, descobriu, na ilha de Ellesmere, no Nunavut — o território mais a norte do Canadá —, 30 fragmentos fossilizados da tíbia de um camelo ancestral.
“Esta descoberta é importante porque é o primeiro indício de que os camelos viveram na região do Alto Árctico”, diz Rybczynski, citada no mesmo documento. “Estende o âmbito anterior dos camelos da América do Norte em cerca de 1200 quilómetros e sugere que a linhagem que deu origem aos camelos modernos terá estado inicialmente adaptada à vida nas florestas do Árctico.” E vai mais longe, especulando que “talvez algumas das especializações que vemos nos camelos modernos, tais como os seus pés largos e planos, os seus grandes olhos e as suas bossas de gordura tenham sido adaptações derivadas da vida num habitat polar" — ou seja, apesar de ser hoje difícil imaginarmos os camelos a deambularem pelas florestas boreais, terão desenvolvido bossas para se protegerem do frio e não do calor e da falta de água. É toda uma iconografia popular que se desmorona...
O local onde os fósseis estavam enterrados foi também datado pela equipa, com uma nova técnica de datação de areias — e mostra que os ossos têm, no mínimo, 3,4 milhões de anos. Ora, naquela altura, a Terra atravessou um período de aquecimento, com a temperatura global a aumentar dois a três graus Celsius. E também o Árctico se tornou menos frio, com temperaturas 14 a 22 graus superiores às actuais. Esta datação abona a favor da ideia de que, apesar de não ter um clima propriamente quente, o Árctico terá fornecido condições de vida sustentáveis aos primeiros camelos, que nessa fase conseguiram viajar mais para norte.
A identificação da espécie dos novos fósseis não foi imediata. “A primeira vez que apanhei um dos fragmentos, pensei que era um bocado de madeira”, conta Natalia Rybczynski. “Só quando voltei ao acampamento tive a certeza de que era invulgar: não só era osso, como vinha de um mamífero de tamanho superior a tudo o que já encontráramos naquele local.”
A análise anatómica indicou tratar-se de um osso da perna (a tíbia) de um “artiodáctilo” (mamífero ungulado com um número par de dedos), grupo em que se incluem os porcos, as vacas e os camelos. E quando os cientistas juntaram e alinharam os fragmentos graças a técnicas digitais 3D, perceberam que, pelo tamanho do osso reconstituído, o mais provável era tratar-se de um camelo.
Para o confirmar, realizaram então uma análise química às proteínas contidas nas diminutas quantidades de colagénio ainda presentes nos fósseis. A comparação desse “perfil do colagénio” com os de 37 espécies de mamíferos modernos e o de um outro fóssil de camelo primordial, encontrado no território canadiano do Yukon e conservado no mesmo museu, permitiu concluir que o animal em causa era próximo dos dromedários (camelos com uma bossa) e do fóssil do Yukon, que se pensa ter pertencido à linhagem ancestral dos camelos, designada Paracamelus.
“O nosso trabalho mostra que o Paracamelus viveu no Norte da América do Norte durante milhões de anos”, diz Rybczynski. “E a hipótese mais simples para explicar este padrão consiste em dizer que é daí que essa linhagem é originária.”