A França está sozinha?

A última intervenção foi inicialmente planeada como parte de uma missão europeia para apoiar as forças africanas, mas a França decidiu, abruptamente, agir unilateralmente para atenuar o avanço dos islamistas que ameaçavam invadir Mopti, o último obstáculo antes de alcançarem a capital, Bamako. Para além desse objectivo, a França procura proteger os muitos franceses que se encontram na região; manter a estabilidade no Sahel, onde os estados são muito fracos; e impedir que o Mali se transforme numa base do terrorismo islâmico dirigido à Europa.

Há muita coisa em jogo – tanto mais porque a intervenção francesa é susceptível de ser extensa. Embora os islamistas estejam temporariamente derrotados, eles estão bem armados e recebem suprimentos da Líbia, através da Argélia, que tem contido os islamistas internamente mas parece fechar os olhos à sua circulação pelo seu território. Além disso, as capacidades do exército maliano e de outros países da África Ocidental, que era suposto juntarem-se à operação, são muito fracas para inverter a maré. Os Estados Unidos tentaram treinar o exército do Mali, mas falharam miseravelmente.

Assim, com a segurança da Europa, como um todo, em jogo, por que é que a França é o único país envolvido?

Uma explicação é ver a intervenção como uma tentativa neocolonial para proteger a ex-colónia francesa. Isto é um erro tremendo. A França não tem interesse em proteger um regime maliano que sabe que é corrupto e incompetente; na verdade, a França recusou recentemente apoiar um pedido de ajuda do regime do Presidente François Bozizé na vizinha República Centro-Africana, contra os rebeldes.

As motivações da França são mais vastas. Especificamente, a França sempre considerou a África subsariana e o mundo árabe como esferas naturais de influência política e estratégica que são necessárias para manter a sua posição como uma potência mundial.

A segunda explicação é mais credível: a França, com excepção da Grã-Bretanha, é verdadeiramente a única potência militar da Europa. Acredita que a capacidade militar operacional é uma condição de poder – uma visão que não é partilhada pela esmagadora maioria dos Estados europeus, que continuam a exibir uma aversão colectiva à guerra.

É certo que a Europa tem os meios para uma acção conjunta. Em 2003, após o início da Guerra do Iraque, a Europa adoptou uma estratégia preparada por Javier Solana, o Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum, nessa altura. Mas, embora um grande número de europeus acreditasse ingenuamente que este era o prelúdio para uma estratégia europeia comum, a verdade é que a proposta foi elaborada nuns termos que eram tão vagos que não permitiam quase nenhum resultado – ou mesmo algum.

O Tratado de Lisboa da UE menciona uma “cooperação estruturada permanente” na política de segurança e de defesa; e todo um aparato institucional de comités políticos e militares existe para antecipar, preparar e implementar operações militares a nível europeu. Mas a este mecanismo falta a vontade política comum que é necessária para activá-lo; quanto menos for utilizado, menos utilizável se tornará.

Durante a crise na Líbia, a sucessora de Solana, Catherine Ashton, procurou limitar deliberadamente o papel da UE ao de uma super ONG, focada na ajuda humanitária e no desenvolvimento económico. Recentemente, durante a votação para a representação palestina nas Nações Unidas, a UE apelou aos seus membros para se absterem – uma forma estranha de afirmar o compromisso da Europa com a liderança mundial.

Para a Grã-Bretanha, a defesa à escala europeia está destinada ao fracasso. A Grã-Bretanha só se desviou deste princípio uma vez, quando concordou em participar na missão anti-pirataria “Operação Atalanta” ao largo do Corno de África – provavelmente porque foi colocada no comando. Como resultado, aqueles que querem uma capacidade de defesa europeia comum não dispõem de meios para a criar, ao passo que aqueles que têm os meios para a criar não a querem (com a possível excepção de França).

A cooperação bilateral da Grã-Bretanha com a França – com o seu ponto alto durante a crise na Líbia – às vezes é muito forte. Mas, apesar do Tratado de Cooperação em Defesa e Segurança assinado em 2010, entre os dois países, os britânicos decidiram, por razões orçamentais, adquirir aeronaves que não serão compatíveis com os porta-aviões franceses.

Até mesmo a Espanha e a Itália, os dois países mais afectados pelos novos acontecimentos no Mediterrâneo e no Sahel, reduziram significativamente as suas despesas militares. Ao contrário da Alemanha, ambos participaram na intervenção na Líbia, mas com regras de combate extremamente limitadas para as suas forças. Por exemplo, as forças navais italianas foram instruídas a evitar as águas ao largo da Costa de Trípoli e os aviões-tanque espanhóis foram proibidos de reabastecer jactos de combate.

A Europa, como um todo, reserva actualmente apenas 1,6% do seu PIB para a defesa, contra os 4,8% dos EUA. É a única região do mundo onde os gastos militares estão a diminuir. As suas forças destacadas são extremamente pequenas, contribuindo em 4% para o total de todos os militares do mundo, contra 14% dos EUA. A cooperação industrial, que poderá constituir uma mais-valia económica e militar, também está a enfraquecer, como ficou demonstrado pela oposição bem-sucedida da Alemanha à fusão EADS/BAE proposta, que foi cancelada oficialmente em Outubro.

A Alemanha parecia estar a embarcar numa política mais robusta desde a sua participação em operações militares no Afeganistão. Agora, porém, recua perante qualquer perspectiva de intervenção militar, mesmo continuando a ser o terceiro maior exportador de armas do mundo.

A Europa está relutante em desenvolver uma força militar de peso, porque o projecto europeu foi criado em oposição à ideia de poder. No entanto, esta posição tornou-se insustentável. A Europa enfrenta ameaças reais, as quais a França não pode controlar sozinha. Além disso, o sistema internacional está a coligar-se cada vez mais em torno das autoridades nacionais que consideram a força militar como sendo um pré-requisito essencial de influência. A Europa não enfrenta uma escolha entre o poder suave (soft power) e o poder duro (hard power). Ela deve combinar as duas, se quiser sobreviver.

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

Zaki Laidi é professor de Relações Internacionais no L'Institut d'Études Politiques de Paris (Sciences Po)

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