Ah, a ironia: Zemeckis, parte daquela geração que, com alguma razão, foi acusada de infantilizar o cinema americano de 80, faz hoje figura de “adulto” (talvez não por ele, mas porque “the pictures got dumber”, como diria Norma Desmond). Decisão de Risco é a história de um super-homem alcoólico - pelo menos um super-piloto, capaz de aterrar um avião avariado mesmo carregado de gin & coca - e há uma arrogância na personagem que é interessante, muito bem defendida por um Denzel Washington bruto e sequíssimo. Mas não é a amoralidade que interessa a Zemeckis, antes o seu exacto oposto - o que será um propósito justo, a todos os títulos, mas também convencional, e afunila o filme numa vulgar história de arrependimento e tomada de consciência. É todo o “suspense”: quando é que Denzel vai admitir que se afastou do bom caminho? Digno (e muito desequilibrado), Decisão de Risca peca sobretudo pelo seu bom senso (comum). Para um olhar que liberte a dependência do círculo entre o Bem e o Mal é preciso alguém - tipo Ferrara - que conheça olhos nos olhos o fundo desse poço. Não parece ser o caso de Zemeckis, que faz o filme pelos (e para os) olhos do bom homem “normal”, do homem de família assustado, e diz mais sobre o “susto social” da dependência do que sobre a dependência propriamente dita.
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