Votar aos 16 anos, por que não?

Na Europa, a Áustria é o único país onde se vota em todas as eleições a partir dos 16 anos. Falámos com jovens, especialistas e juventudes partidárias: Portugal deveria baixar a idade de voto?

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Maria Coutinho, que vive e estude em Coruche, lembra que os jovens da sua idade já tomaram grandes decisões na vida como escolher que área seguir Rui Gaudêncio
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Francisco Zenha Preto acha que os jovens da sua idade não têm maturidade suficiente para votar Rui Gaudêncio
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Se pudesse votar, Sofia Polónia não sabe se iria às urnas Rui Gaudêncio

Maria Coutinho diz sem hesitar: “Com esta idade já devíamos ter o direito de votar. Por acaso não tenho grandes ideologias, mas se me dessem essa oportunidade iria tentar informar-me mais e contribuir para que neste país o povo seja mais ouvido”.

Sofia, Maria e Francisco têm 16 anos, e o PÚBLICO falou com eles sobre a hipótese da descida da idade do direito de voto, um debate que o pediatra Mário Cordeiro levantou recentemente num artigo de opinião do PÚBLICO ( Deverão as crianças e os adolescentes ter direito a voto?, questionava).

A descida da idade de voto não é um tema na agenda política, não é um tema muito debatido em Portugal, mas há anos que se coloca a questão em vários países: será que os 18 anos são a idade ideal para começar a votar? Não se deveria começar a votar aos 16 anos?

É que, em Portugal, aos 16 anos já se pode casar, com autorização dos pais, ser julgado e cumprir pena ou começar a trabalhar legalmente. Se não se espera pela maioridade para algumas coisas porque é que se espera para votar, argumentam alguns? Como argumento contrário, alega-se que aos 16 anos ainda não há maturidade para escolher representantes políticos.

O direito de voto aos 16 anos para todas as eleições existe apenas num país europeu, a Áustria. A medida foi implementada em 2007. A Argentina está em vias de seguir o modelo - o Brasil, o Equador, a Nicarágua, Cuba e três das ilhas britânicas também o permitem. Na Alemanha quem tem 16 anos pode votar nas eleições estatais em Bremen desde 2010 e em eleições municipais de alguns estados. Este é um tema em discussão na Estónia, Finlândia, Eslovénia, Reino Unido, Noruega ou Dinamarca (os dados sobre os países foram dados pelo European Youth Forum, plataforma que tem feito campanha para o alargamento do voto aos jovens de 16 anos). 

“Há momentos de algum abanão social e político em que se devem levantar questões que têm a ver com cidadania”, diz Mário Cordeiro, explicando porque decidiu escrever sobre o tema neste momento. O pediatra defende que as escolas deveriam ter, “desde cedo”, programas sobre intervenção política, tal como têm sobre temas como a reciclagem ou o tabaco. “A formação em intervenção política deve ser feita na primária para as crianças saberem que há decisões políticas, como construir um parque infantil. Uma das intervenções políticas que tem um peso enormíssimo no nosso país são as eleições. A questão é: a partir de que idade se deve votar?”

Jovens mais informados e interventivos 

A idade para votar foi baixando ao longo dos anos e a verdade, defende, é que houve uma evolução de determinados segmentos da população. Antes do 25 de Abril, lembra, só 10% das crianças continuavam os estudos depois do 6º ano; hoje, “os jovens têm uma opinião mais informada, vão sendo mais interventivos” e o seu direito deve ser intervir na escolha “daqueles que vão definir coisas fundamentais para o seu futuro”.

Este direito deveria ser dado aos jovens com 15 ou 16 anos, argumenta Mário Cordeiro. É que esta é uma idade em que se fazem escolhas importantes, como a área a seguir até ao 12º ano e, por acréscimo, a de entrada na universidade. Vantagens? “As máquinas partidárias seriam obrigadas a repensar algumas políticas.” De alguma forma, os 16 anos são os novos 18 – é verdade que em alguns aspectos os jovens de 16 anos hoje são mais dependentes dos pais, mas por outro lado estão mais informados, diz. Além disso, os 15-16 anos são aquilo a que chama de “idade da generosidade e de ideais” – ou seja, há uma predisposição maior para ir às urnas.

Este foi justamente um dos argumentos de Duarte Marques quando se candidatou à liderança da Juventude Social Democrata em 2010, cargo que já não ocupa, defendendo a descida da idade de voto para os 16 anos. Na altura, o tema foi “muito polémico”, lembra, e deixou de estar na agenda da ala juvenil do partido. Duarte Marques defende que aos 16 anos os jovens “estão mais despertos, mais motivados, podem ganhar interesse pela política” – e mais do que os jovens de 18 anos. “O principal argumento é que aos 16 anos têm direito a escolher aquilo que o seu país vai ser – e podem fazer quase tudo, menos votar!”

No final, a democracia ganharia porque “Portugal vive um défice de participação e se houvesse mais gente a participar a classe política teria mais qualidade”. O ex-dirigente acredita mesmo que a abstenção iria baixar porque mais gente ganharia o hábito mais cedo.

Se hoje houvesse eleições com inclusão dos jovens de 16 e 17 anos, ganhar-se-iam mais quase 223 mil eleitores (o número de pessoas nesta faixa etária de acordo com o último Censos 2011).

O caso austríaco

Ainda não passou tempo suficiente para afirmar que há, de facto, menos abstenção na faixa etária dos 16 e 17 do que nos 18 anos na Áustria, mas os resultados de um estudo de 2011, feito por Eva Zeglovits, académica no departamento de Métodos de Ciências Sociais da Universidade de Viena, mostram que houve mais presença nas urnas dos primeiros do que dos segundos – nas eleições regionais de Viena de 2010 estima-se que 62.6% dos 16 e 17 anos foram às urnas, em comparação com os 54,8% do grupo 18-20 anos.

Uma hipótese de explicação, diz Eva Zeglovits ao PÚBLICO, é que aos 18 anos os jovens estão demasiado preocupados com outras coisas da sua vida, como escolherem a universidade, saírem de casa dos pais, etc. “Aos 16 anos os jovens ainda estão em casa dos pais, por isso torna-se mais fácil irem votar com eles.”

O estudo ressalva que não há certezas sobre se houve algum efeito novidade, ou seja, só com o passar dos anos é que se poderá confirmar a tendência, mas conclui que o hábito de votar é mais facilmente adquirido pelos mais novos do que pelos que têm 18 anos. O número de votantes nesta idade e a qualidade do voto – qualidade é quando as pessoas votam no partido que de facto representa as suas opiniões e os seus interesses, define Zeglovits – não diferem em relação aos adultos, acrescenta.

Também na Áustria os que eram contra os jovens de 16 e 17 anos votarem usaram o argumento da maturidade e da falta de informação. A investigadora austríaca sublinha que os jovens que entrevistou diziam que “se tivessem que votar iriam procurar mais informação” – exactamente o que Maria Coutinho disse ao PÚBLICO. “Está provado que é preciso participar para se ficar interessado na política”, diz Eva Zeglovits.

As vantagens de alargar a faixa etária dos votantes são, para si, o facto de os partidos e os políticos serem obrigados a fazer um esforço de aproximação aos jovens. Depois da mudança, “as autoridades públicas e políticas na Áustria tornaram-se mais conscientes dos jovens” e as escolas passaram a incluir mais debates sobre política nos seus programas.

Se um jovem de 16 anos pode “fazer graffitis, juntar-se a um sindicato, ter outras formas de intervenção política, porque não pode votar?”, questiona a investigadora.

O mesmo argumento é usado pelo deputado trabalhista britânico Michael Dugher que vê a descida da idade de voto como parte de uma necessária “reforma política” de combate à abstenção, diz ao PÚBLICO. 

Dugher, que em 2010 participou activamente no debate no Reino Unido sobre o tema, não vê qualquer desvantagem em alargar o voto aos 16 e 17 anos, e diz que o Partido Trabalhista está a discutir se vai incluir isso no seu manifesto para o programa de candidatura às eleições de 2015. “Há uma anomalia no sistema: as pessoas de 16 anos podem fazer todo o tipo de coisas, mas não podem votar. Na escola ensinamos aos alunos coisas como cidadania, a importância de se ter uma palavra a dizer sobre o Governo e a política, mas depois não damos a oportunidade de o porem em prática.”

Intervenção cívica e abstenção

Apesar de não defender o voto para a sua idade porque os “adolescentes de 16 anos não têm muita maturidade para votar”, Sofia Polónia imagina uma plataforma, que poderia ser online, onde pudesse dar opinião sobre temas como a escola ou medidas do Governo. Sente-se com maturidade suficiente para falar de determinados assuntos e gostaria que a sua voz fosse ouvida, gostaria “de dar” o seu “contributo”.

Faz intervenção cívica no seu papel de vogal do voluntariado do Colégio Pedro Arrupe, em Lisboa, onde estuda: uma vez por semana, um grupo de alunos vai à Escola Básica da Apelação, na Quinta da Fonte, em Loures, dar explicações de Matemática e Português a crianças do 4º e 5º ano. “Tenho aprendido que a vida deles é muito difícil e que há muita desigualdade social, tenho aprendido a dar mais valor às coisas, a ter paciência e a não desistir ao primeiro obstáculo”, diz.

Não liga aos partidos políticos e não se identifica com nenhum “porque nunca” procurou fazê-lo, mas Maria Coutinho não deixa, também, de ter “um papel activo na sociedade” – concorreu há pouco tempo à associação de estudantes da sua escola, a Secundária de Coruche, onde estuda na área de Ciências. A sua lista perdeu, mas ela continua a ter vontade de “mudar coisas que” acha “que não estão bem na escola”.

Os três fazem ou fizeram voluntariado.Cada um à sua maneira, Francisco, Sofia e Maria têm uma participação na sociedade que pode ser lida como política.Se nesse aspecto são uma minoria entre os jovens não sabemos.

É recorrente ouvir-se que os jovens não se interessam por política - e usar a descida da idade de direito de voto como “solução” para o problema é algo com que o actual líder da Juventude Socialista João Torres discorda. “Há outras formas de participação. O direito de voto, sendo a mais nobre das participações cívicas, não é a única forma de envolver os cidadãos”.

O tema não está na agenda da JS, mas a estar teria que passar por um debate alargado que reflectisse também sobre que “direitos e obrigações são adquiridos quando se atinge os 16 anos e a maioridade” – os 18 anos. “Temos que pensar no princípio mas também na forma de implementação concreta”. Concluindo, João Torres diz que está aberto a uma reflexão sobre o tema, mas a Juventude Socialista não tem uma posição “favorável ou desfavorável”.

A politóloga Marina Costa Lobo lembra justamente que a ideia de baixar a idade de voto surge do “diagnóstico de falta de participação eleitoral dos jovens”. Quando “falamos de abstenção falamos em parte da relação dos jovens com a política” – o grupo dos 18 aos 25 anos é o que tem taxas de presença nas urnas mais baixas. “Já se percebeu que votar é um hábito, e a ideia [de descer o voto para os 16 anos] seria conseguir que os jovens fossem convidados mais cedo a comprometer-se com o exercício de voto” – e isto numa idade em que “podem ser mais sensíveis ais argumentos de participação cívica”.

Este não é um debate em cima da mesa em Portugal, considera a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, porque os partidos “têm medo de mexer em tudo o que seja o sistema eleitoral”. Em Portugal, teoricamente dois partidos poderiam sentir os efeitos, analisa: o Bloco de Esquerda, que seria beneficiado por atrair eleitorado mais jovem, e o PCP, que seria prejudicado, por ter votantes mais velhos. No PS e PSD não “há população etária dominante”. Mas, lembra, haveria outro “efeito que prevalece” sobre o anterior: “a influência do contexto familiar, que “em qualquer caso é extremamente importante” para o voto, e aos 16 anos ainda mais.

Reivindicação europeia

Com uma plataforma online e centrados nos países da União Europeia e nas Nações Unidas, o European Youth Forum tem feito campanhas a favor do voto aos 16 anos, uma reivindicação que quer ver espalhada a vários países europeus. Uma das suas grandes conquistas foi uma resolução adoptada pelo Conselho da Europa em Junho de 2011 em que se apela à criação de “condições para a participação dos jovens na vida cívica”, e à “investigação da possibilidade de baixar a idade de voto para os 16 anos em todos os países e em todas as eleições” – não conseguiram os votos suficientes para passar, mas conseguiram mais de 150 assinaturas. 

Além do facto de os jovens de 16 anos serem chamados a tomar decisões importantes sobre a sua vida na maioria dos países europeus, e na maioria pagarem impostos quando trabalham ou poderem ser criminalizados, o European Youth Forum aponta como razão para esta revindicação o actual “défice demográfico e democrático” que coloca em desvantagem os jovens europeus. “Os jovens deveriam poder ser melhor representados e deveria ser-lhes dada a oportunidade de participarem completamente na sociedade expressando a sua opinião nas eleições”, diz Giuseppe Porcaro, secretário-geral.

Nem todos concordam com a ideia de que deveriam votar, mas os três jovens de 16 anos que ouvimos têm opiniões sobre os políticos. Ao longo da conversa, Maria, Sofia e Francisco são assertivos ao falar sobre o Governo ou sobre medidas do executivo de Pedro Passos Coelho.

Francisco defende que “o Governo não devia ir para os extremos”: “Convém haver rigor mas tanta austeridade não dá em nada”, diz o estudante do 11º ano da Escola Secundária António Arroio, no curso científico-humanístico de Artes Visuais – um nome enorme, “que o governo escolheu”.

Sofia Polónia, que está na área de Ciências e Biologia, tem alguma dificuldade em definir política. Se pudesse, talvez não votasse em ninguém, mas critica o facto de o Ministério da Educação ter “tornado a educação física como disciplina que não conta para a média”. “As pessoas deixam de se interessar pela matéria, acho que se devia dar valor à educação física”.

Maria Coutinho, também a estudar Ciências, defende o direito de voto aos 16 anos, até porque sente que os jovens da sua idade não são “muito ouvidos”, que “as pessoas não têm em grande conta” as suas “opiniões”. “Acham que somos crianças. No 9º ano tive que escolher a área para onde iria ou optar por um curso profissional e a escolha da universidade vai ser influenciada por isso. Não somos bebés, sabemos o que queremos, já tomámos grandes decisões na vida.”

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