Seis homens viajaram até Marte, ou como nunca tiraram os pés da Terra
Numa viagem interplanetária, conseguirão os astronautas dormir bem? E, quando estiverem acordados, manter-se-ão suficientemente activos para completar as tarefas exigentes? Publicados resultados da primeira simulação uma viagem completa a Marte.
Terra, ano 2010. Para saber como se comportará uma tripulação numa missão a Marte, a 3 de Junho, quatro russos, dois europeus e um chinês embarcaram realmente na primeira simulação de uma viagem completa ao planeta vermelho, desde a ida, a permanência na sua superfície e o regresso. Mas esta nave espacial, com quatro módulos em forma de hangar ligados entre si, além de um módulo exterior de simulação do solo de Marte, manteve-se o tempo todo assente no chão do Instituto para os Problemas Biomédicos da Academia Russa das Ciências, em Moscovo. A simulação durou 17 meses, até Novembro de 2011, e uma das conclusões, publicadas ontem na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, é a importância do sono para o sucesso de uma missão interplanetária.
“O sucesso de um voo humano interplanetário, que se prevê ocorrer este século, dependerá da capacidade dos astronautas em permanecerem confinados e isolados da Terra muito mais tempo do que em missões ou simulações anteriores. Este é o primeiro estudo que indica o papel crucial dos ciclos de sono-vigília em missões espaciais longas”, refere um dos autores do artigo, David Dinges, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, citado num comunicado.
Até agora, só quatro pessoas passaram à volta de um ano no espaço, com o recorde de 437 dias na já inexistente estação espacial Mir detido por Valery Polyakov. Cá em baixo, a simulação mais longa de uma missão era de 240 dias, com quatro russos.
Mais sedentários
Quando os seis homens fecharam a escotilha para a simulação Mars500, passaram a comer alimentos especiais, a trabalhar e a exercitarem-se como se estivessem no espaço e cortaram quase todas as ligações ao mundo exterior. Ao longo dos 520 dias da experiência — 250 para chegar a Marte; 30 na superfície do planeta e com saídas da cápsula espacial; e 240 para voltar à Terra — tiveram de contar com a comida e os equipamentos que tinham consigo. De fora, além dos contactos com os controladores “na Terra”, só receberam electricidade, água e algum ar.
Durante a simulação, que teve a participação da Agência Espacial Europeia, os “astronautas” fizeram várias experiências para obter informações psicológicas e médicas sobre viagens longas. À equipa de David Dinges, que publicou agora alguns resultados, coube monitorizar os níveis de actividade da equipa e a quantidade e qualidade do sono, bem como os desempenhos no trabalho.
À medida que o tempo foi passando, e a luz também foi diminuindo, os cientistas notaram que os participantes se tornaram cada vez mais sedentários: passavam mais tempo a dormir e, quando estavam acordados, mexiam-se cada vez menos.
Ainda que com diferenças significativas entre os participantes, a maioria também teve problemas de sono, alterações do ciclo sono-vigília e do desempenho das tarefas devido à privação de sono. Isto ocorreu numa fase inicial e manteve-se ao longo do tempo. Para os cientistas, a medição destas vulnerabilidades pode ser útil para escolher as tripulações de futuros voos. Consideram que, para terem sucesso, as missões terão de reproduzir certos aspectos da vida na Terra, como o tempo de exposição à luz e as alturas de ingestão de comida ou de exercício físico.
O sonho de um voo tripulado a Marte foi agora reavivado com a missão em curso do robô Curiosity, que chegou a Marte em Agosto de 2012, altura em que o administrador da NASA, Charles Bolden, revelou o que lhe ia na alma — esta missão “é precursora do envio de humanos ao planeta vermelho em 2030”. Se se concretizará nessa década, e o que será feito para se tornar realidade, essa é outra história.