Conselho Nacional de Ética arrasa bancos privados do cordão umbilical

Bancos privados fazem promessas “irrazoáveis” e campanhas “agressivas” numa fase vulnerável da vida das pessoas, conclui o conselho no seu mais recente parecer.

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Para o CNECV, os bancos privados “prometem o que não podem cumprir” Enric Vivies-Rubio

Mais de 120 mil portugueses recorreram já aos bancos de criopreservação de células do cordão umbilical existentes em Portugal, sendo que a grande maioria das amostras foram deixadas em bancos privados. Ao contrário do único banco público (o Lusocord) a funcionar no país, em que as amostras são gratuitas, nos bancos privados paga-se pela preservação do sangue e tecido do cordão por preços que rondam os 1500 euros.

O parecer do CNECV não questiona a “utilidade clínica” da conservação das células estaminais presentes no sangue do cordão umbilical em algumas situações, como os transplantes de células da medula óssea ou nalgumas doenças hematológicas. Porém, no caso da promissora aplicação a outras doenças — caso das degenerativas como Alzheimer ou Parkinson, por exemplo —, os peritos nacionais e espanhóis defendem que “a sua validade científica e utilidade potencial não estão ainda estabelecidas, e o seu uso permanece experimental”. As reservas sobre os bancos privados não são inéditas e o próprio parecer refere que este tipo de “negócio” é proibido em países como França e Itália.

No plano da argumentação, os especialistas — que ouviram representantes de duas empresas privadas e do Lusocord — estabelecem as diferenças entre os dois modelos. E estas são óbvias. “A conservação em bancos públicos assenta nos princípios do altruísmo, da gratuitidade, da confidencialidade e da máxima qualidade”, lê-se no parecer agora divulgado. Do outro lado, temos um negócio “assente num modelo comercial, com critérios de selecção e qualidade menos estritos, promessas de aplicações irrazoáveis (tratamento de doenças comuns da vida adulta, quando a conservação se faz a 20-25 anos), estratégias de marketing agressivas e pouco transparentes, dirigidas a um público numa fase particularmente vulnerável da sua vida”.

 

Em defesa do modelo público

Sobre as tais promessas “irrazoáveis”, o geneticista Jorge Sequeiros, um dos relatores do parecer, é claro: “Prometem o que não podem cumprir”. “Alguns chegam mesmo a usar o termo seguro de vida”, critica o especialista. Na lista das promessas estão, por exemplo, hipotéticas respostas para doenças (diabetes comum ou degenerativas) que só surgem na idade adulta, isto quando o período de conservação das amostras é de 20 a 25 anos.

Por outro lado, um dos problemas mais graves está relacionado com os “pacotes” que mais recentemente começaram a ser vendidos por estas empresas e que incluem uma “bateria” de testes genéticos aos recém-nascidos para obter dados sobre eventuais susceptibilidades (desde incompatibilidades alimentares a doenças hereditárias).

“São testes que, nalguns casos, têm um valor preditivo muito reduzido, para não dizer nulo”, alerta Jorge Sequeiros. Há uma empresa que promete, por exemplo, um rastreio a nada menos que 101 doenças, e algumas delas são detectadas com o “teste do pezinho” que é feito a todos os bebés.

Além disso, segundo Jorge Sequeiros, há ainda outra preocupação: os dados dos bancos públicos mostram que apenas entre 20 a 40% das amostras colhidas têm “qualidade” para ser utilizadas, isto apesar de os bancos privados receberem por todas as amostras colhidas.

Confrontados com esta realidade, os especialistas apresentam 16 recomendações em defesa dos bancos públicos de sangue e tecido do cordão umbilical — que, reconhecem, devem ser reforçados e melhorados. De uma forma clara e inequívoca, o CNECV recomenda que se deve “promover a doação altruísta, gratuita, de sangue de cordão, do próprio cordão e placenta, para uso em transplantes alogénicos [de dador imunologicamente compatível]”.

Outra das recomendações preconiza que a colheita de sangue e tecido do cordão umbilical seja feita como rotina em todas as grávidas “para um banco público, sempre com a possibilidade de recusa por parte da mulher” e mediante consentimento informado.

O parecer nota ainda que se deve verificar em todos os casos se “as reivindicações de aplicações terapêuticas publicitadas têm validade e utilidade clínica comprovada” e que toda a actividade dos bancos, independentemente da sua natureza pública ou privada, deve ser regulada e fiscalizada.

 
 
 

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