O novo anúncio da Crioestaminal promove a culpa ou uma causa?

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Uma imagem do anúncio polémico Imagem: DR

Extremado – o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Miguel Oliveira da Silva, classifica-o como “uma pouca-vergonha”. O administrador da Crioestaminal, André Gomes, diz que, “pelo contrário, o anúncio faz parte de uma campanha por uma causa”.

A imagem é de uma criança sentada naquilo que parece ser uma marquesa de um gabinete médico. A interpelação, em voz off, é feita directamente aos pais: “Há uma hipótese em 200 de um dia ser diagnosticada ao seu filho uma doença cujo tratamento pode encontrar-se nas suas células estaminais ou nas de um irmão, e que se recolhem no sangue do cordão umbilical. Uma doença como a leucemia, um linfoma ou um tumor sólido. Nesse dia, está preparado para responder a esta pergunta?” E só então se ouve a criança: “Mãe, pai, guardaram as minhas células?”.

“Chantagem emocional, exploração dos sentimentos de culpabilidade dos pais, publicidade desonesta, uma pouca-vergonha”, resumiu Oliveira da Silva, em declarações ao PÚBLICO. O presidente da CNEVE, que foi a primeira personalidade pública a tomar posição sobre o assunto, no Expresso, não está só. Manuel Abecasis, hematologista e director do Serviço de Transplantação do Instituto de Oncologia de Lisboa, diz reconhecer “toda a legitimidade às empresas com fins lucrativos para venderem os seus produtos”, mas critica “a publicidade enganosa” e “a exploração das pessoas que estão prestes a ser pais e, por isso, muito fragilizadas”.

“As células estaminais do cordão umbilical continuam a ter aplicação concreta e cientificamente fundamentada apenas no tratamento de doenças do foro hematológico e isso acontecerá a uma pessoa em cada 20 mil das que criopreservaram”, realça Manuel Abecasis. “O pior de tudo é que não há só pessoas com posses e conhecimentos para optarem pelo banco público ou pagarem mil ou 1500 euros a um privado. Para mais sem informação científica rigorosa, o sentimento de ansiedade que um anúncio destes cria na generalidade das pessoas é imenso”, reforça Luís Graça, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia.

Rui Reis, investigador e presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular, está no pólo oposto. Não “vê nada de mal no anúncio” e critica “os médicos, que se esquecem de olhar para o futuro”. “A maior parte daquilo que hoje faz parte da nossa vida já foi ficção científica e um dia – daqui a cinco, dez ou 20 anos – as células estaminais da própria pessoa serão utilizadas no tratamento de inúmeras doenças”, diz.

João Malva, coordenador da equipa da Universidade de Coimbra que procura descodificar a forma como as células estaminais neurais actuam na reparação do cérebro, sublinha que não viu o anúncio, mas que, em abstracto, pode afirmar que “a publicidade a um serviço deste tipo não pode criar uma situação de chantagem emocional nem fugir ao rigor científico”. Sobre a aplicação das células diz que “o que hoje se pode afirmar com segurança é que há imensas expectativas e poucas certezas”.

André Gomes, da empresa debaixo de fogo, afirma que “a causa da Crioestaminal” é precisamente provocar este debate, na medida em que “85% das células do cordão umbilical não vão para bancos privados ou para o público, mas para o lixo”. Garante que há estudos mais recentes do que os citados pelos médicos, “que apontam para uma maior probabilidade de necessidade de uso das próprias células” e realça que, “apesar de querer promover as vendas, com esta campanha a empresa tem como prioridade despertar consciências”. “Se reparar, nunca se diz para os pais escolherem a Crioestaminal”, aponta, não se referindo ao facto de o anúncio fechar com o logótipo e o nome da empresa e a frase: “O futuro guarda muitos milagres”.

Guardar ou dar?

A guerra entre os bancos privados de células estaminais e o Banco Público de Sangue do Cordão Umbilical (Lusocord) não é nova e este anúncio vem reacender outro debate: os pais devem pagar para guardar as células estaminais do cordão umbilical para uso exclusivo da sua família? Ou ganharão mais se defenderem a viabilidade do banco público, onde as amostras de todos estão disponíveis para todos?

Manuel Abecasis e Luís Graça garantem que, se tivessem agora filhos, dariam o sangue do cordão umbilical ao banco público, embora sublinhem que, “naturalmente, cada um faz o que quer com o seu dinheiro” – “Até queimá-lo”, diz o primeiro. Rui Reis assegura que “todos os cientistas que trabalham nos laboratórios, em investigação na área das células estaminais, optam por fazer a criopreservação em banco privado”. “As potencialidades são imensas e as pessoas merecem ser alertadas para isso, independente de algumas formas de alerta serem mais emocionais que outras”, defende.

No banco público, o processo de recolha, análise e criopreservação é gratuito, mas as amostras ficam disponíveis para qualquer pessoa de qualquer parte do mundo, ou seja, não há qualquer garantia de que, se algum dia alguém precisar, ainda ali encontrará as suas próprias células. Ontem, na página do Facebook do Lusocord, as vantagens desta opção eram realçadas: “Contrariamente a outros, nós, se precisar, estaremos cá! Sem pressões, prestações ou outras complicações”.

Contactada pelo PÚBLICO, a directora do banco público, Helena Alves, disse não ter sido a autora da mensagem, mas reiterou-a: “De facto, estaremos cá, para olhar pelos doentes, todos os doentes, e não para procurar o lucro”. Disse-se ainda chocada com o anúncio da Crioestaminal que, aconselha, “não deve agir como se estivesse a vender chocolates”.

André Gomes garante que “têm sido mais as críticas positivas que as negativas e adianta que este anúncio faz parte de uma campanha. “Em breve haverá novidades”, promete.

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