Uma imensa dignidade

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Os Led Zeppelin que vemos neste filme concerto são sóbrios como nunca

Led Zeppelin

Celebration Day

Warner Music

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Extras

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A 10 de Dezembro de 2007 viveu-se um momento histórico, o do regresso dos Led Zeppelin. A frase anterior, no mundo de mil reuniões por ano de históricos do passado é, obviamente, um cliché que já não entusiasma ninguém. Mas a verdade é que os Led Zeppelin, a maior banda da década de 1970 e certamente uma das mais marcantes desse período, são históricos de uma estirpe diferente.

Depois da morte do baterista John Bonham, em 1980, só se haviam reunido um par de vezes e tinham recusado sempre a catrefada de dinheiro com que lhes acenavam para voltarem a palco. Percebe-se portanto porque vinte milhões de almas correram para os computadores a inscrever-se no sorteio que seleccionaria os 18 mil afortunados que encheram a O2 Arena, em Londres.

Cinco anos depois, temos finalmente acesso às imagens e à música daquela noite de Dezembro. Dois CD e dois DVD reunidos numa edição. O que interessa realmente, porém, é o DVD do concerto. Para ouvir um CD ao vivo dos Zeppelin, já existe The Song Remains The Same, gravado em 1973 e editado em 1976, e quanto ao DVD extra, é mera curiosidade: uma câmara em plano fixo filmando um ensaio para o concerto.

Mas no que interessa percebemos que se passou ali realmente algo de histórico. No melhor dos sentidos: a banda que representou o pináculo do excesso rock'n'roll, na carga de testosterona, no tom bombástico da música, na forma como ocupavam palcos quais deuses da matéria eléctrica, não cometeu o erro de tentar reproduzir essa aura. Seria pior que ridículo, convenhamos, ver Robert Plant fazer os seus jogos de sedução com o público, menear de ancas explícito e por aí fora, enquanto sexagenário - teríamos perante nós a visão deprimente de um velho pervertido, não de uma lenda do rock.

Os Led Zeppelin que vemos neste filme concerto são sóbrios como nunca. Pouco aparato de palco e zero de contextualização, à parte o vídeo inicial exibido nos ecrãs que os mostra a chegar a Tampa, Estados Unidos, no seu próprio avião, ano 1973. Vemos "apenas" um legado imenso concentrado em duas horas e 16 canções. Esta é, afinal, a mesma banda que exasperou a sua editora em 1971, quando exigiu que o seu quarto álbum não tivesse nome ou título creditado na capa e zero referências ao que nele se encontraria.

O concerto, organizado como homenagem a Ahmet Ertegun, o mítico dono da Atlantic Records que os assinou e que morrera no final de 2006, é, acima de tudo, um tratado de imensa dignidade: há um prazer evidente em cada um no estar ali, naquele palco, a tocar com os que os rodeiam.

Quase no final, quando Jason Bonham, o filho de John Bonham que ataca as peles com o mesmo peso tonitruante (até a bateria é de acrílico transparente, como uma das mais famosas de Bonham sénior), rufa freneticamente entre tarola e timbalões para acabar "Rock'n'roll", Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones estão de costas para o público, sorrindo para o filho do amigo desaparecido, felizes e protectores. Este concerto, de certa forma, foi para Jason e, através dele, para John - tanto quanto para Ahmet Ertegun ou para o público na O2 Arena. Foi um rápido olá e adeus: a música continua poderosa e entusiasmante, os sexagenários conseguiram, estes Led Zeppelin fizeram bem ao nome dos Led Zeppelin. Que não mais voltem. A posteridade assegurada por este concerto é imaculada - e a realização de Dick Carruthers acentua essa ideia, totalmente concentrada nos homens em palco, conseguindo uma intimidade que o dimensão do espaço não propiciaria.

Robert Plant de barba e camisa preta, falando sobre coisas que, tantos anos depois, ainda lhe estão atravessadas na garganta: os Led Zeppelin foram acusados de pilhar os bluesman em que se inspiraram sem os creditar e o vocalista apresenta Trampled underfoot, funkalhada rock'n'roll guiada pelo piano eléctrico de John Paul Jones, como canção inspirada em Terraplane blues de Robert Johnson. "Foram feitas muitas versões desde que a gravou. E tenho a certeza que a ‘apanhou' de alguém. Era o que toda a gente fazia. Misturar tudo". Jimmy Page, cabelos brancos, casaco e colete preto e óculos escuros (isto a início, acabará em mangas de camisa), parece mais próximo que nunca de um contemporâneo do Alistair Crowley que tanto admira - e continua mestre do riff e do solo em Les Paul, mestre da feitiçaria eléctrica virtuosa. John Paul Jones, mais discreto, sorrindo como tipo que parece estar a aproveitar cada segundo, sorrindo com aquele rosto anguloso de vilão de Batman.

Robert Plant já não chega aos agudos impossíveis de outrora, coisas da idade, mas atravessa seguríssimo, empenhado, imponente, canções como Ramble on, nas margens da folk, ou essa magnífica trip feita canção que é Dazed and confused - e Jimmy Page pega no arco de violino para arrancar novos sons, velhos conhecidos, à guitarra .

Dezasseis canções, dezasseis clássicos. "Good times bad times", a primeira do primeiro álbum, arranca o concerto. O magnífico jogo de tensões de "Black dog" não demora a aparecer. For your life ganha estreia em palco. A nebulosa No quarter traz consigo um manto de mistério e Since I've been loving you o blues descaradamente blues. Na recta final, a majestosidade épica de Kashmir, o riff para acabar com todos os riffs de de Whole lotta love e, em encore, Rock'n'roll, canção resumo, em modo festivo, do que ali se celebrava. "Ei Ahmet, conseguimos!", exclamara Robert Plant antes de se ouvir Celebration day. É verdade.

Este regresso não foi como os outros. A banda mais bombástica, desconhecedora da noção de discrição na década de 1970, regressou para mostrar que a música está viva, mas que nada daquilo será possível alguma vez mais - nada de trágico, o mundo pula e avança e assim é que está bem. Ao abandonar o palco, tudo se mantinha imaculadamente igual. Os Led Zeppelin são enormes e isto foi bonito de ver.

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