Um acontecimento. O nova-iorquino William Basinski é um dos grandes estetas sonoros da última década, com actividade num campo onde se cruzam a música ambiental, abstracta e experimental - mas nada se compara à tetralogia The Disintegration Loops, criada em torno das ocorrências do 11 de Setembro de 2001. É por isso um facto excepcional a edição conjunta, pela primeira vez, dos quatro volumes, que começaram a ser editados em 2002: cinco CD, com a inclusão extra de inéditas gravações orquestrais ao vivo (na Bienal de Veneza de 2008 e no Metropolitan Museum de Nova Iorque), nove discos de vinil, um DVD, um livro que documenta a obra e inclui depoimentos de Antony ou David Tibet e, acima de tudo, a oportunidade de entrar num universo absolutamente assombroso.
Esta série de quatro volumes começou a ser lançada há dez anos, mas se existe música que funciona como narrativa sonora para 2012 é esta: funerária, aterradora mas ao mesmo tempo iluminada, um mundo a desaparecer e outro a emergir sem que se perceba qual. A história é, mais ou menos, conhecida: Basinski havia passado o Verão de 2001 a tentar salvar fitas antigas que tinha em casa, fragmentos sonoros criados duas décadas antes que se encontravam em avançado estado de decomposição. As fitas estavam moribundas, mas a essência e a memória da vida e da morte dessa música foram salvas, gravadas num novo suporte. Perante a queda das Torres Gémeas, o músico decidiu que esses pedaços sonoros repetitivos, abatidos, muito lentos, em fragmentação, haveriam de tornar-se, por fim, peças acabadas. Quem viu a excelente exposição O Novo Ofício, que esteve patente no Museu Berardo, em Lisboa, no Verão, recordar-se-á das fitas áudio em desintegração de Basinski. Nas ruas de Nova Iorque, a atmosfera era de tristeza, impotência e abandono. A partir do seu terraço em Brooklyn, o compositor colocou uma câmara a filmar as últimas horas desse dia, apontando-a para o fumo vindo de Manhattan. No dia seguinte, vendo o que filmara ao mesmo tempo que ouvia as gravações em loop, concebeu novo sentido para o projecto: uma elegia daquele dia.
O primeiro álbum era composto por uma peça de 63 minutos e outra de 11, baseadas em repetições, variações lentas, som vivo de um mundo moribundo e condenado a desaparecer, com alusões ao ambientalismo de Brian Eno ou à obra maior de Gavin Bryars, The Sinking of the Titanic, também ela inspirada nas morte em massa, na fatalidade, no luto. Cada uma das nove peças dos quatro volumes possui características próprias, mas todas acabam por funcionar como variações umas das outras, meditações sobre a perda. No total são quase seis horas de magnificência minimalista e ambientalista, notas mínimas, ruídos discretos - de corrosão e desagregação do som - que se vão reiterando e sobrepondo, originando uma quietude funerária, que dá forma a uma emoção invulgar. As versões ao vivo, interpretadas pela Wordless Music Orchestra e por Alter Ego, não são surpreendentes, mas conservam a gravidade e a solenidade daquele primeiro momento. É uma música bela, difícil de explicar, esta. Música onde muitas vezes nada parece ocorrer e onde tudo o que é essencial acontece, ao nível da pele, da textura e da emoção, num loop eterno que é fundamental sentir.