As últimas horas têm sido de incontáveis pronúncias sobre Niemeyer. Ana Vaz Milheiro escreve que "morreu o último grande arquiteto do século XX’". Referimo-nos, certamente, ao século XX do movimento moderno que ambicionou o fim da história como argumento de uma arquitetura ao serviço de uma nova ordem e que defendeu um novo programa universalista.
Prefiro, por isso, dizer que morreu o último grande universalista, que o era, porém, não apenas por sua responsabilidade mas por responsabilidade da época em que viveu.
A construção de Brasília (projeto de Lúcio Costa, Niemeyer e Burle Marx) e Chandigarh, o plano Voisin para Paris ou o plano para Buenos Aires (projetos de Le Corbusier) são símbolos de um extraordinário período progressista que não deixou de sofrer múltiplas e pertinentes revisões, muitas vezes antagónicas, desempenhadas por outros (ainda vivos) grandes arquitetos do século XX, como Siza e Ghery.
Oportunamente, Manuel Graça Dias refere-se à sede do Partido Comunista Francês como "uma das mais belas sínteses de Niemeyer’’. É, de facto, não apenas uma síntese de formas e corporizações, mas sobretudo, uma síntese do seu passado e de si próprio.
A sua arquitetura não é categorizável, nem ele próprio o é. A submissão aos perceptos ofereceu uma inflexão reconhecível ao movimento moderno e terá sido esse o seu maior e inestimável contributo. Não importam os processos porque todo o programa crítico de Niemeyer se resume num gesto.
Bruno Costa, um amigo, escreve hoje que "foi através do contacto com as obras de Óscar Niemeyer que despert[ou] a maior desilusão e o maior êxtase com a Disciplina’". Deverá ser este o estado de alma com que mais me identifico.
Visitei Brasília um ano depois de Chandigarh e duvido que sejam cidades perfeitas. Encontrei obras de Niemeyer, sobretudo as mais recentes, que não quero recordar e suspeito que esse sentimento é comum a vários colegas. Mas isso não importa porque duvido que, como escreveu Eduardo Galeano, Oscar odeie o ângulo reto porque odeia o capitalismo e duvido ainda mais que o ângulo reto ofenda o espaço e que por isso ele tenha feito uma arquitetura leve como as nuvens, livre, sensual e parecida com as paisagens das montanhas do Rio.
Duvido das mitificações e categorizações que se produzem sobre Niemeyer e temo que nos façam esquecer que ele foi, fundamentalmente, um arquiteto do real que utilizou o gesto como sensor de uma ideia de sociedade.
Não foi um empirista que projetou nuvens nem sonhos e terá sido essa a principal apreensão que fiz da sua obra e simultaneamente da arquitetura. Tal como disse o próprio, em 2004: ‘’Estou surpreso. Sou apenas um arquiteto’’.
Este texto foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico