Ainda que, como nos ensina a Internet, com amplas liberdades criativas, "Argo" baseia-se num episódio verídico sucedido durante a crise dos reféns americanos em Teerão, em 79/80: o resgate de seis funcionários da Embaixada americana, que por acaso não se encontravam no edifício quando ele foi ocupado e encontraram refúgio na residência do embaixador canadiano. Missão espinhosa, num país em convulsão e tomado de ódio pelo “grande Satã”, e missão a requerer criatividade especial: os especialistas em “extracção” da CIA congeminaram uma mise en scène inacreditável, que implicava fazer esses seis americanos passarem por uma equipa canadiana de cinema, no Irão em missão de reconhecimento de locations para uma produção de ficção científica - Argo, aonde o filme de Affleck vai buscar o seu próprio título. No filme, vemos o protagonista, Affleck ele mesmo, a ter a ideia para toda a operação, durante uma exibição televisiva de... Fuga do Planeta dos Macacos. Caso para dizer honni soit qui mal y pense.
Honni soit, também, quem pense que Argo não traz cordelinhos atados. No fim, durante o genérico de fecho, aparece a voz de Jimmy Carter (à época, Presidente dos EUA), desfiando memórias e considerações sobre a operação de há 30 e poucos anos - por razões estratégicas, o envolvimento da CIA e do mais alto nível americano foi então elidido, e o sucesso da missão ficou na sombra, pouco ajudando Carter, muito criticado pela passividade, real ou suposta, com que lidou com o caso dos reféns, na eleição que veio a perder contra Ronald Reagan. Argo, que tem George Clooney entre os seus produtores, não é totalmente inocente do ponto de vista político: diz que, em situações de crise internacional, uma administração democrata prefere o “cérebro”, contra o mais espectacular “músculo” de uma administração republicana (e isto quando, faça-se o raccord, foi de Obama que se ouviu, na campanha das últimas semanas, a mais johnwayneana proclamação: “folks mess with America, we go after them”).
Mas bom, divagamos (um pouco). O Ben Affleck-cineasta não é um génio mas não tem sido (desde a estreia com Gone Baby Gone, em 2007) um cineasta indiferente. O que desaponta em Argo, até pela multiplicidade de sinais políticos disseminados, é a sua condição de ilustração, simples e competente, do argumento. Havia matéria-prima para outra perversidade, pelo menos outra complexidade. E a que parece a ideia-base, sublinhada por aqueles planos finais sobre super-heróis de brinquedo, fica um pouco perdida debaixo do rol de peripécias a que é preciso dar vazão: fazer uma correlação entre o espectáculo hollywoodiano e o “espectáculo” das intervenções externas americanas - como se sem o primeiro o segundo fosse impossível, algo que parece totalmente verdadeiro no caso em apreço. Mas o filme articula mal a sua “homenagem” à série Z (ainda que ela dê, na dupla John Goodman/Alan Arkin, a melhor parelha do filme), muito irrisória e bastante divertida, e a reconstituição em “suspense” do resgate propriamente dito, feita com eficácia, mas puxada ao limite (aquela perseguição na pista do aeroporto...), e desprovida de qualquer cinismo, quer na maneira de olhar para os americanos quer na maneira de olhar para os iranianos. Fica uma peça de entretenimento “missionário”, bem executada, adultamente conduzida, mas em progressivo abaixamento das expectativas.