Tenho repetido várias vezes que certos princípios decorrentes de um outro - o do Estado de Direito democrático - são, por boa prática política, tendencialmente respeitados.
Com este agir normal e esperado de quem nos governa, não são necessárias grandes discussões no plano constitucional acerca dos tais princípios.
Estou a referir-me ao princípio da tutela da confiança jurídica, ao princípio da segurança jurídica, que aconselham um Estado de bem a não emitir "decisões surpresa", as quais podem, por exemplo, colocar em risco a planificação da vida de cada cidadão, a sua projeção possível e razoável no futuro, com os dados de estabilidade que o sistema jurídico lhe oferece.
Há aqui como que um contrato social, evitam-se leis retroativas em matérias melindrosas, mesmo que não penais, aposta-se num mínimo de estabilidade legislativa, sobretudo em áreas que interferem com a tal possibilidade que cada um de nós tem de projetar um amanhã.
Este Governo esquece tudo isto, em tudo. Se já escrevi sobre os pensionistas e reformados (casos de inconstitucionalidade evidente), bem como os cortes de subsídios (ou de salários a privados), que mais não são do que roubo de remunerações, há muitos outros casos para manuais futuros de como deitar por terra a mais ténue ideia de contrato social.
Veja-se o exemplo do fim da cláusula de salvaguarda do IMI. Que significa isto? Significa que o mesmo Governo que ainda há pouco, aumentando o IMI, criava por lei a tal cláusula que impedia que o IMI das casas que estão a ser reavaliadas no âmbito da avaliação geral dos imóveis subisse mais de 75 euros em 2013, face ao valor pago este ano, acaba de revogar a sua lei. Este "travão" vai manter-se apenas para as pessoas com rendimentos mais baixos, pelo que para a maioria dos proprietários dos 5,2 milhões de imóveis urbanos foi anunciada uma "decisão surpresa" que é uma subida explosiva deste imposto.
Acontece que estes milhões não são todos milionários, são gente que fez as suas contas "confiando" na recente alteração ao Código do IMI, agora rasgada de um dia para o outro, e pesou na decisão de ser proprietário o IMI antigo e a cláusula Travão.
Acontece que estes milhões têm nome e vidas diferentes, muitos estão a cair no desemprego, outros viram os seus salários reduzidos, todos foram sujeitos a um brutal aumento de impostos, pelo que muitos, mas muitos destes milhões não aguentam tantas surpresas. E mais esta.
Esperem para ver mais casas entregues aos bancos, mais miséria, caso em que nessa condição, a de miseráveis, estarão isentos de IMI, claro.