Ele vê gente morta

Felizmente, pelo meio das princesas e dos animais, ainda vai havendo espaço para filmes de animação com personalidade que saiam fora das gavetas pré-definidas. É verdade que, à superfície, "Paranorman" parece dever muito (pronto, está bem: quase tudo) ao universo pop-gótico do Tim Burton clássico (fase "Eduardo Mãos-de-Tesoura"/"O Estranho Mundo de Jack"/"Ed Wood"): afinal, é a história de um miúdo solitário de uma cidadezinha que vê gente morta e (pior) fala com ela, e que é considerado o anormal local, até pela própria família (sobretudo quando dá por si metido ao barulho numa maldição com três séculos que só ele pode travar).


Mas "Paranorman", produzido em animação stop-motion (marionetas fotografadas fotograma a fotograma, na tradição dos "Wallace & Gromit da Aardman" e, lá estamos, do "Estranho Mundo de Jack" escrito por Burton e dirigido por Henry Selick), é um pouco mais do que isso. É um objecto atípico e distinto, pelo meio dos "Madagáscar" e outras "Idade do Gelo", uma espécie de filme de terror em versão júnior que serve ao mesmo tempo de porta de entrada às delícias do género para os miúdos mais aventurosos (embora os mais novinhos possam apanhar alguns sustos valentes) e de metáfora razoavelmente eficaz sobre o "bullying" e a aceitação do outro (com uma peculiar melancolia de puto solitário). Para os graúdos, funciona como uma variação sólida e afectuosa sobre os lugares-comuns do género, assumindo com respeito e bom humor todas as regras, desde a abertura em modo filme zombie de série Z à maneira como a própria estrutura da narrativa brinca com as personagens-arquétipo do género. E, ainda por cima, "Paranorman" recompensa múltiplas visões, graças à minúcia do trabalho de animação e de ambientação, impecavelmente sonorizado pela inspirada partitura de Jon Brion.

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