Médicos de família dispostos a ter listas com mais de 1900 utentes
Os médicos de família estão dispostos a aumentar as suas listas de utentes nos centros de saúde, mas esse acréscimo de trabalho tem de ser calculado de outra forma e pago à parte. As listas podem nalguns casos aumentar da actual média de 1550 pessoas para um total superior a 1900, levando-se em conta a carga de trabalho que cada doente representa.
É nesse sentido que aponta a proposta ontem apresentada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), numa altura em que o processo de negociação colectiva com o Ministério da Saúde se aproxima da recta final e se mantêm as discordâncias em relação à grelha salarial, ao modelo de trabalho e às horas dedicadas às urgências nos hospitais (ver caixa).
Se a proposta dos sindicatos for aceite, "o número de utentes sem médico de família poderá diminuir drasticamente", acredita o coordenador para os cuidados de saúde primários da FNAM, João Rodrigues. Mas o ministério terá de compensar financeiramente os médicos por essa carga de trabalho suplementar. "Quem trabalha mais tem de receber mais. E ver um jovem de 20 anos, saudável, é diferente de ver um idoso com várias doenças crónicas", justifica o dirigente sindical. Por isso é que a forma de cálculo das listas deve ser feita em unidades ponderadas em vez de se basear no número absoluto de doentes (as crianças até aos seis anos e os idosos representam 1,5 e duas unidades, respectivamente). Isto já acontece nas Unidades de Saúde Familiares (USF) de modelo B, em que está instituído um regime retributivo especial, que incluiu compensações por desempenho.
De acordo com a proposta conjunta, caso a tutela aceite os valores sugeridos pelos sindicatos para a grelha salarial única no regime de trabalho de 40 horas semanais, os médicos passam, só por esta via, a ficar com maiores listas de utentes (1750). Mas pode haver também um aumento da dimensão da lista até um valor máximo superior a 1900 pessoas (correspondente a cerca de 2400 unidades ponderadas), nos casos em que o número de utentes sem médico de família o justifique e se o clínico aceitar este acréscimo de trabalho. Nestas situações, os profissionais passam a receber suplementos remuneratórios que, no máximo, podem ascender aos 702 euros.
O problema dos portugueses sem médico de família é antigo e as soluções até agora ensaiadas não têm dado grandes resultados. Na revisão do memorando da troika do final de 2011 aparecia inscrita uma nova medida, que poderia resolver administrativamente o problema, ao estipular "o aumento do rácio de utentes por médico de família em 20% nos centros de saúde e em 10% nas USF". Mas este aumento foi de imediato contestado pelos sindicatos, que o consideraram ilegal. Depois disso, no início deste ano, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) arrancou com um projecto-piloto em nove Agrupamento de Centros de Saúde que consistiu em colocar os utentes há mais de três anos sem contacto com as unidades em listas de "não utilizadores".
Também contestado pelos sindicatos, este projecto ficou suspenso, na sequência da greve nacional dos médicos de Julho, mas é intenção da ARSLVT e do Ministério da Saúde retomá-lo em breve. "O projecto vai ser afinado e aplicado ao país todo", afirma Luís Pisco, da ARSLVT, que diz que o assunto será discutido na reunião marcada com os sindicatos para o início de Setembro. Esta medida, lembra, permitiu atribuir médico de família a cerca de 250 mil pessoas. Também o Ministério da Saúde garantiu, por escrito, que "pretende aperfeiçoar a experiência piloto da ARSLVT que se deverá generalizar a todo o país" e que, depois de reorganizadas as listas e "ponderado o "peso" clínico" dos utentes, os números dos utentes nas listas de cada médico de família serão "ajustados".