Dissidência cubana exige “investigação transparente” à morte de Osvaldo Payá
A controvérsia instalou-se mal a notícia se espalhou, com alguns opositores ao regime cubano a alertarem para o facto de acidentes automóveis já terem sido usados na ilha para matar pessoas indesejadas.
Payá, de 60 anos, e Harold Cepero, o líder juvenil do MCL, viajavam com dois políticos europeus num carro alugado na zona leste de Cuba. Seria um desses políticos, o espanhol Angel Carromero Barrios, líder das Novas Gerações do Partido Popular, quem estava ao volante, segundo a imprensa de Espanha. O outro ocupante do veículo era o sueco Jens Aron Modig, da Liga Juvenil social democrata.
O testemunho destes, que sofreram apenas ferimentos ligeiros, é crucial para explicar o que ao certo aconteceu eram 13h50 (hora local) nos arredores da cidade de Bayamo, na província de Granma. A versão oficial diz que o automóvel se despistou e embateu numa árvore; a família de Payá falou em assassínio político do homem que passou mais de 30 anos a lutar pela liberdade de expressão e associação, pela defesa dos direitos humanos e pela democratização política em Cuba.
Rosa Maria Payá, uma das filhas do dissidente, disse que o carro em que o pai seguia foi abalrroado por outro que o empurrou para fora da estrada. “A informação que recebemos dos rapazes [Barrios e Modig têm 27 anos] que iam no carro com ele foi que havia outro carro que os empurrava. Por isso, pensamos - estamos convencidos -, que queriam fazer mal e acabaram por matar o meu pai”, disse Rosa Payá, citada pela Reuters.
Num comunicado, o MCL considerou que “as circunstâncias destas mortes não foram devidamente esclarecidas”. O Governo espanhol fez o mesmo pedido às autoridade cubanas.
Membros do MCL em Miami — onde também se exige uma explicação clara para o que aconteceu — disseram que Payá contara como há três semanas capotara com o seu próprio carro em Havana, depois de outro veículo o ter atingido na traseira. “Ele disse-me que estava vivo por milagre”, disse o dissidente no exílio Julio Hernandez à McClatchy Newspapers.
Porém, Yoandris Montoya e Felix Rivero, também dissidentes ao regime castrista e enviados de Bayamo para o local do acidente pela Comissão Cubana para a Reconciliação e Direitos Humanos, defendem outra versão. As duas testemunhas com quem falaram no local disseram-lhes que o automóvel de aluguer saiu da estrada sozinho, parecendo que o condutor pretendia evitar um buraco — há obras a decorrer naquele troço de estrada.
Notícia no GranmaNum gesto raro, o jornal oficial do Partido Comunista, o Granma, noticiou a morte dos dois dissidentes — foi na página 6 e explicava que as causas do “lamentável acidente de viação” estavam a ser investigadas. Os nomes dos mortos são mencionados, mas Payá e Cepero são “dois cidadãos cubanos” e não dois anti-castristas.
Osvaldo Payá era um cristão pacifista. Foi o responsável pelo Projecto Varela, um abaixo assinado (11 mil assinaturas) entregue em 2002 na Assembleia Nacional cubana pedindo um referendo ao sistema político, a libertação dos presos políticos e liberdade de expressão e associação na ilha. A sua mulher, Ofélia Acevedo, disse que o MCL “continuará a lutar pacificamente até que os cubanos tenham os direitos” que as leis lhes conferem.
O funeral dos dois dissidentes mortos realizou-se na segunda-feira em Havana e juntou muitos dos que contestam o Governo castrista. As agências noticiosas Reuters e AFP descreveram que o ambiente foi de pesar e que algumas das cerca de 400 pessoas na cerimónia usavam T-shirts brancas com o rosto de Payá e a data da sua morte. Quando o corpo de Payá entrou na igreja, foram dados dois gritos: “Viva Payá Sardiñas” e “Viva o Projecto Varela”.
No funeral estiveram representados vários grupos de dissidentes — os cubanos dizem que são dissidentes, não opositores, pois não não lhes é permitido constituirem-se como partidos de oposição —, apesar das desevenças constantes entre eles. “Foi um golpe terrível, mas vamos continuar a lutar pelo que ele queria... paz e liberdade em Cuba”, disse Berta Soler,das Damas de Branco. A bloger Yoani Sanchez disse à Reuters que morreu um homem "essencial para a transição política".