“Matar ou não Matar” (“In a Lonely Place”), de Nicholas Ray (1950)

Com o título “Matar ou Não Matar”, o filme de Nicholas Ray dá, duplamente, uma ideia da paciência que os cinéfilos tinham de ter numa época em que ainda não se vendia cinema em disco

Poster do filme “Matar ou não Matar”, de Nicholas Ray
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Poster do filme “Matar ou não Matar”, de Nicholas Ray
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Em 1947, Dorothy B. Hughes escreveu o romance policial “In a Lonely Place”, de que existem edições recentes, em inglês, à venda em Portugal (livrarias é que há cada vez menos). A adaptação desse romance, primeiro por Edmund H. North e depois por Andrew Solt, foi filmada por Nicholas Ray e estreou-se em 1950, nos EUA. Em Portugal, só se estreou a 1 de Outubro de 1952, e com o título de “Matar ou Não Matar”, o que dá, duplamente, uma ideia da paciência que os cinéfilos tinham de ter numa época em que ainda não se vendia cinema em disco nem sequer em fita magnética (pobres diabos...).

É importante não esquecer o título original, “In a Lonely Place”, já que contém um aviso ao espectador sobre o cenário que o espera, de abordagem de situações de isolamento que afectam os protagonistas, tal como acontece em “They Live by Night” (“Filhos da Noite”), em “Rebel Without a Cause” (“Fúria de Viver“) ou em “The Savage Innocents” (“Sombras Brancas”). Mas, neste caso, há múltiplas solidões. Humphrey Bogart (“The Maltese Falcon”) interpreta o papel do argumentista solitário Dixon Steele, cuja vizinha, Laurel Gray (Gloria Grahame), é uma actriz principiante e solitária. Os principais amigos de Dixon são o seu agente, Mel Lippman (Art Smith), um antigo actor alcoólico dado a citações de deixas em verso, Charlie Waterman (Robert Warwick), e um seu ex-subalterno da tropa, Brub Nicolai (Frank Lovejoy), agora detective na polícia. Exceptuando Brub, que exibe uma vida típica de casado, os outros dois poderiam ser tentativas de representação dos solitários mais acabados.

Contactado para fazer um argumento a partir de um “best-seller” popular e sem paciência para o ler, Dixon convida uma rapariga que trabalha no bengaleiro (ou guarda-roupa) de um bar-restaurante que ele frequenta habitualmente para o acompanhar a casa e contar-lhe a história do romance em questão, “Althea Bruce”, que ela tinha lido nas horas de serviço. Embora a rapariga não consiga pronunciar “Althea” (diz sempre “Alathea”) nem “bacteriólogo”, conta-lhe a história satisfatoriamente e recebe uma gorjeta e a sugestão de que apanhe um táxi na esquina para ir para casa. No dia seguinte os jornais noticiam a sua morte violenta e Dixon é convocado de madrugada para interrogatório na esquadra onde trabalha o seu amigo Brub.

A investigação dá início a um romance entre Dixon e a sua vizinha Laurel e à dúvida de todos os envolvidos (incluindo os espectadores) sobre a culpabilidade ou a inocência de Dixon. Mas este é apenas o preâmbulo da história que vamos ver desenrolar-se enquanto escrutinamos as personagens principais, as suas expressões, os seus jogos, as suas peculiaridades, numa tentativa de daí extrair uma leitura fidedigna dos seus caracteres. E achamos que conseguimos. O elemento incomodativo nesse exame, desta vez não é um chapéu de estilo inacreditável, mas um truque de maquilhagem falhado: entendendo que Gloria Grahame tem um lábio superior demasiado fino, alguém decidiu ampliá-lo artificialmente com bâton, com um resultado grotesco. É pena, num filme negro que vive de um estilo, de uma estética refinada, igualmente representada num cenário de apartamentos que não se sobrepõem em caixote, antes abrem para um espaço comum atraente, sofisticado e acolhedor.

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Humphrey Bogart interpreta o papel do argumentista solitário Dixon Steele DR

Nesse e noutros espaços, aguarda-se a resolução do crime, a identificação do seu responsável, enquanto outras violências vão subindo de tom, dominando a acção. Entretanto, apreciemos a qualidade da escrita dos diálogos. Maldita solidão...

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