Eu tenho pena do atum. O atum é constantemente alvo de desprezo e de piadas ao ser utilizado também para menosprezar o que, por exemplo, outras pessoas fazem: “— O que é isso? Isso nem é peixe nem carne... é atum”. Sim, entre nós, o atum perde o direito a ser classificado como peixe e até se ignora o facto de ser um senhor peixe que nada cento e setenta quilómetros num dia em total independência. Cá para mim, temos é todos inveja do atum.
O nosso primeiro contacto com o atum, o nosso verdadeiro momento de dádiva de valor ao atum, é quando ingressamos na vida de estudante universitário. Andamos praticamente dezoito anos, cheios de mimo com as comidinhas que só as nossas preciosas mães sabem fazer. Aquelas com aquele ingrediente fantástico que nem todos sabem usar.
O que é certo é que, quando surge a lista de colocações, temos de nos fazer à estrada com destino à cidade que lá aparece. E para trás fica a comida da mãe. É claro que podemos trazer os magníficos “tupperware’s” com comida pronta a aquecer no microondas, mas amigos, vamos admitir, não tem nada a ver.
Então chega o dia: entramos decididos na cozinha. Vestimos o avental com o ursinho de língua de fora desenhado. Três passos, despensa. Prateleira um... nada que nos apeteça. Prateleira dois... hum... massa, pode ser... é fácil de cozinhar. Prateleira três (pára tudo, pára o mundo, agora só existimos nós e ele, ali parado a olhar- nos, uma telepatia, uma ajuda, um entendimento fantástico). Levantamos o braço. Tocamos-lhe. E assim fica selado, pela primeira vez e para sempre, uma amizade, uma cumplicidade. Não haverá mais dúvidas quando a ementa da semana já tiver rodado, quando estivermos cansados e não nos apetecer perder tempo a pensar no que irá satisfazer as nossas papilas. Seremos nós e ele, com arroz, com massa, com ou sem molho.
E quando a nossa mãe nos ligar, quando nos perguntar se nos alimentamos bem, se andamos a comer demasiada lasanha do Pingo Doce, nós vamos dizer com todo orgulho de dezoito anos feitos, independentes e revolucionários, capazes de ultrapassar as maiores dificuldades da vida doméstica:
— "Mãe, não te preocupes que estive a cozinhar".
Aí vai chegar aquela parte em que o orgulho cai-nos rápido em queda livre, no elevador mais rápido de sempre. As mães estão tão habituadas a pratos arrojados que quando chega a altura de nós dizermos o que preparámos com todo o orgulho e agilidade, que estava bem bom por acaso, pumba!
— "Cozinhaste? O quê?"
— "Massa de atum, mãe"
— "Oh amor... Outra vez atum?"