Solos

Melhor plano de Swans: os dois minutos do genérico de abertura. Aeroporto de Berlim, a manga para embarque e desembarque de passageiros, a acoplagem entre dois “corpos”, avião e aeroporto. Não dura muito, cerca de dois minutos, mas há uma expectativa e uma ameaça perante esse “encontro” de coisas inanimadas que parecem ter vida própria (sexual, inclusive) que investem esse plano de uma promessa, de uma potência.


O início de alguns filmes, e isso acontece também em alguns livros, parece conter às vezes tudo o que vem a seguir. E às vezes o que vem a seguir fica condenado a não ser mais do que variação, como uma dança programada que gasta a energia inicial - que assim se vai dissipando.

O que vem a seguir nesta segunda long-metragem de Hugo Veira da Silva, depois de Body Rice (2007), é a chegada de um pai e de um filho a Berlim. Tarso (Ralph Herforth) e Manuel (Kai Hillebrand) visitam a ex-companheira e mãe, Petra (Maria Schuster), que está em coma no hospital - e que o filho nunca conheceu. O que vem a seguir é uma série de “solos”, quer sejam manobras de reconhecimento para preencher o intervalo do tempo que passou (o pai) ou a descoberta da sensualidade e do prazer (o filho). Tudo trabalhos num território monocromático e difuso que tem como horizonte a dissipação da identidade, como um desejo de esquecimento para ser apenas corpo - pura manga de acoplagem. Nesta coreografia de solos, o mais desejado, pelo realizador, parece ser, aliás, o corpo em coma. Porque é o mais disponível. Como se houvesse, na proposta sensorial que Hugo Vieira da Silva faz ao espectador, uma espécie de hierarquia ou de progressão entre as experiências que se contemplam e o corpo em coma fosse uma hipótese de coreografia ideal.

E é por aí que dois sentimentos ficam colados à experiência que é Swans: o primeiro é que parece um filme a contemplar o seu próprio mecanismo, olhando-se languidamente ao espelho - objecto narcísico, portanto. O outro, e mais frustrante, é que Hugo Vieira da Silva parece, a espaços, sentir perdas, um défice, afinal, no que se propôs fazer e como se propôs fazer. Como se a “performance” que criou precisasse de ser preenchida com mecanismos de “narrativa” e as bengalas de “diálogos” para ser “filme” - esforço que em mais do que uma cena é forçado e alienígena, sabotando-se mesmo como “alternativa”.

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