Como é que se fala de amor em código Java?
Ishac Bertran, um engenheiro de 31 anos, está a reunir poemas escritos por programadores para publicar em livro. Sim, garante, é possível falar de paixão ou dor em linhas de código
Ishac Bertran é um engenheiro-designer de 31 anos que teve a ideia de unir poesia e informática num projecto chamado Code Poems. Bertran desafiou programadores a enviar poemas escritos em qualquer linguagem informática. Isso mesmo, versos escritos em código Java, C++ etc. Uma selecção dos poemas recebidos será publicada num livro em papel.
A ideia do projecto surgiu durante uma conversa de amigos. Tudo começou com uma pergunta: Seria possível reconhecer o autor de um excerto de código a partir do seu estilo de programação? Ocorreu a Ishac Bertran que escrever linhas de código não difere muito da literatura tradicional – afinal de contas, todo autor que se preze luta com as palavras para encontrar a sua própria voz.
Bertran quer ser surpreendido pelos poetas-programadores. Por isso decidiu não dar um poema como exemplo – os potenciais autores acabariam por ficar condicionados. A liberdade de criação é quase total, diz Bertran nesta entrevista por e-mail ao P3. Os limites são apenas o tamanho (máximo de 0.5KB) e a operacionalidade (o poema tem de realmente funcionar como código, ser "compilável", não pode ser apenas uma forma bonita de dispor pedaços de linguagem de programação).
Para Bertran, é perfeitamente possível usar linhas de código para expressar ideias complexas e experiências humanas como o amor ou a sensação de perda, ódio ou desencanto. É um erro julgar que um trabalho de programação é necessariamente destituído de valor estético ou de criatividade na sua composição, defende nesta entrevista. Aliás, recorda, há programadores e "developers" que consideram haver um acto poético no seu processo criativo.
Não achas que há uma contradição na ideia de publicar poemas em código num suporte tão tradicional como o livro em papel?
Podemos considerar uma contradição, uma ironia ou até uma provocação. Esta é a beleza da arte: a possibilidade de permitir a criação de pequenas contradições que, de resto, seriam difíceis de encontrar num mundo dominado pela funcionalidade. Isto é precisamente o que mais me atrai neste projecto, a liberdade de inserir um conteúdo (linhas de código, que fazem com que o computador realize tarefas) num suporte (o livro, utilizado para comunicar com humanos) e num formato específico (a poesia, que evoca algo mais do que apenas uma função, sendo que o código é desenhado puramente para isso: desempenhar uma função).
Se a ideia é imprimir em papel os poemas escritos em linguagem de programação, por que razão só aceitas poemas "compiláveis"?
Eu queria que as pessoas se sentissem livres para explorar a essência de um poema em código, não queria impor muitas limitações. A exigência de que todos os poemas submetidos foram compilados é apenas uma forma de evitar que fossem enviados poemas em inglês, por exemplo. A poesia é de facto livre, mas ainda assim devem ser observadas as regras gramaticais e a sintaxe - eu considerei a considerei o acto de compilar o poema algo equivalente a um corrector ortográfico.
Pode a linguagem de programação expressar algo tão complexo como a experiência humana? Sentimentos como a dor, a perda ou a paixão?
Acredito que sim. Especialistas em programação são capazes de compreender a complexidade de linhas de código escritas por outro "developer", e assim deduzir a lógica utilizada na forma de estruturá-las, comentá-las, optimizá-las etc. Se fizermos uma analogia com a poesia tradicional, veremos que nem todos são capazes de apreender ou interpretar as mensagens contidas num poema. É preciso compreender a linguagem e dominar os seus nuances.
Eu não sou especialista em código nem um poeta, mas queria pôr uma tela branca à frente das pessoas para que pudessem brincar ao mesmo tempo com poesia e código. Talvez depois de seleccionarmos os poemas recebidos poderemos dizer que a poesia em código tem tanta força como a poesia tradicional, se lida e escrita pela audiência certa.
[Um painel de editores de código que inclui David Gauthier, Jamie Allen, Joshua Noble e Marcin Ignac, adianta o site Creative Applications, vai seleccionar os 50 melhores poemas em código. Os poemas em código podem ser submetidos até 31 de Maio.]