Óscares: cinema francês volta a intrometer-se onde só gente da casa ganha

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O italiano Roberto Benigni foi distinguido com o Óscar para melhor actor pelo desempenho em "A Vida É Bela" Blake Sell/Reuters

Há muitos argumentos para atirar contra esta novidade: o filme de Michel Hazanavicius passa-se em Los Angeles, onde foi filmado, incluindo nos estúdios da Paramount e da Warner Brothers; parte do elenco é norte-americana; os separadores (é um filme mudo) estão escritos em inglês; é sobre uma das mais pujantes indústrias dos EUA, o cinema; e foi a distribuição e promoção da americana Weinstein Company que potenciou o seu sucesso mediático.

Os nomes que acompanham as nomeações para melhor filme são, contudo, os dos produtores e não de qualquer outro interveniente, ou outra qualquer característica. No caso de O Artista, a co-produção franco-belga é assinada pelo francês Thomas Langmann. Ora, nuns prémios com tantas regras e tão formalistas, esta informação deve deitar por terra o restante leque de razões (embora não encerre o debate).

Foram poucos os títulos de língua não inglesa a serem nomeados para o Óscar de melhor filme. Em 84 edições, contam-se pelos dedos das mãos: oito. O primeiro aconteceu em 1938, quando A Grande Ilusão de Jean Renoir foi indicada para a principal categoria dos prémios (mais por consolação do que por vontade de lhe dar a estatueta). Para a segunda nomeação (1970) foi preciso esperar mais de três décadas, até Costa-Gavras realizar Z - A Orgia do Poder.

O filme de Costa-Gavras abriu portas para o que, em relação a números tão reduzidos, se pode chamar de torrente de nomeações de outras obras de língua não inglesa: em 1972, Os Emigrantes, de Jan Troell, entrou na corrida e, no ano seguinte, foi a vez de Ingmar Bergman furar o bloqueio habitual com Lágrimas e Suspiros. Estas duas produções puseram o cinema sueco a ombrear neste particular da história do cinema com o francês (o filme de Costa-Gavras implicou ainda produtores argelinos).

O Óscar para melhor filme estrangeiro foi instituído, tal como hoje existe, em 1956. O realizador com mais estatuetas destas é Federico Fellini (quatro), mas o cinema italiano só se intrometeu na principal categoria em 1995, quando foi nomeado O Carteiro de Pablo Neruda, de Michael Radford, 22 anos após Lágrimas e Suspiros. Seguiu-se, em 1998, A Vida é Bela, de Roberto Benigni. Isto depois de, no início dessa década, Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore (Óscar para melhor filme estrangeiro), ter enternecido o público norte-americano.

No novo milénio, a Academia virou-se, por fim, para o continente asiático. O Tigre e o Dragão, o muito premiado filme de Ang Lee, foi o sétimo a chegar às nomeações para melhor filme, em 2001. Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, impossibilitado de concorrer na categoria de melhor filme estrangeiro por ter produtor norte-americano, o oitavo. Agora, com O Artista, Hollywood volta-se para si mesma para indicar o nono filme "estrangeiro" da história do Óscar para melhor filme.

A babel dos prémios

Estes filmes eram falados em francês, sueco, italiano, mandarim e japonês, com o castelhano, o alemão, o russo e mesmo o inglês à mistura. Línguas que não são habitualmente ouvidas nas apresentações finais da gala. No entanto, a diversidade linguística não causa tantos constrangimentos noutras categorias, como as que se dedicam à interpretação, que sete actores e actrizes "estrangeiros" já venceram.Com as três deste ano - Jean Dujardin, Bérénice Bejo (O Artista) e Max von Sydow (Extremamente Alto, Incrivelmente Perto, a segunda nomeação do sueco) -, contam-se 36 nomeações "estrangeiras" ao longo da história dos Óscares nas categorias de interpretação. O que, dividindo pelas quatro (actor, actriz, actor secundário e actriz secundária) dá, em média, pouco mais do que as oito nomeações alcançadas por "estrangeiros" para melhor filme (nove). A dificuldade pode, portanto, ser idêntica, mas não deixa de ser mais frequente ver actores e actrizes que não de língua inglesa entre os escolhidos da Academia.

Alguns deles chegam mesmo a subir ao palco, para receber a respectiva estatueta. Nos últimos anos, tem até sido normal que isso aconteça. Entre 2008 e 2010, registaram-se três feitos consecutivos deste género: da francesa Marion Cotillard (La Vie En Rose, melhor actriz), da espanhola Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona, melhor actriz secundária) e do austríaco Christoph Waltz (Sacanas Sem Lei, melhor actor secundário). Mas voltemos ao início.

Sophia Loren foi a primeira "estrangeira" a ser nomeada, em 1961. A memorável performance da napolitana em Duas Mulheres, de Vittorio De Sica, valeu-lhe o Óscar para melhor actriz. Em 1965, voltou a ser nomeada por Casamento à Italiana, depois de Marcello Mastroianni ter sido indicado, em 1963, pelo papel desempenado em Divórcio à Italiana (voltaria às nomeações em 1978 e 1988). A segunda vitória de um "estrangeiro", em 1975, foi uma batota: ganhou Robert De Niro, para melhor actor secundário, pela interpretação em italiano de O Padrinho II.

A sueca Liv Ullmann foi nomeada duas vezes (Os Emigrantes e Face a Face), mas nunca venceu. Outra actriz sueca que faz parte da lista é Ingrid Bergman (Sonata de Outono). Franceses, há nove: Anouk Aimee, Valentina Cortese, Isabelle Adjani (duas vezes indicada, em 1976 e 1990), Marie-Christine Barrault, Gerard Depardieu, Catherine Deneuve, Marion Cotillard e, agora, Jean Dujardin e Bérénice Bejo. Italianos, há sete, incluindo Roberto Benigni, que ganhou o Óscar pelo papel em A Vida é Bela.

Recentemente, o castelhano entrou na corrida e, em apenas uma década, amealhou seis nomeações. Duas delas acabaram em Óscar: Benicio del Toro (Traffic - Ninguém Sai Ileso, 2001) e Penélope Cruz. A brasileira Fernanda Montenegro (Central do Brasil, 1999) é a única a representar o português nesta lista. De resto, vale ainda a pena fazer uma referência à nomeação de Graham Greene para melhor actor secundário, pela performance em Danças com Lobos (1991). As suas linhas de diálogo eram em dacota, uma das mais faladas línguas nativas americanas.Resta saber se a Academia está pronta a continuar a quebrar as regras do costume (o que poderia agradar a Jean Dujardin e a Bérénice Bejo), ou se está disposta a implodir com a blindagem que ela própria tem imposto aos filmes - uma vitória de O Artista na principal categoria seria histórico.

O PÚBLICO vai acompanhar todos os preparativos para os Óscares ao longo desta semana. No domingo, dia 26, acompanhará a atribuição das estatuetas douradas em directo e ao minuto com a sua equipa de críticos e jornalistas. Acompanhe tudo no ípsilon.

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