Fernando Távora, o arquitecto responsável pelas grandes reformas na arquitectura portuguesa do século XX, morreu em 2005. A geração que o conheceu admira-o, soube copiá-lo bem, projectou e aprendeu com ele, chama-lhe mestre, eterniza-o em conversas e relatos apaixonados e comoventes. A geração que não conheceu Távora continua a admirá-lo e presta-lhe a justa continuidade.
De Távora conta-se o destacado humanismo, a genialidade, a cultura e elevação que o converteu num ser humano invulgar; é, justamente, mais do que um símbolo.
A sua participação nos CIAM (Congressos da Arquitectura Moderna) foi decisiva para a introdução - num Portugal culturalmente asfixiado e isolado pela ditadura - de um programa regenerador do pensamento crítico em arquitectura; um pensamento que surge como consequência do seu contacto com alguns membros do Team X (os críticos que surgem no seio do próprio encontro dos CIAM e que têm o seu auge no de 59, em Otterlo), da contaminaçao das novas arquitecturas (de onde se destaca a viagem ao Japão e respectivas influências na Quinta da Conceição) e da crítica a uma reconstrução axiológica e formal de uma falsa ideia sintética de arquitectura nacional (ligada à ideologia fascista), cujo principal protagonista seria Raul Lino.
Um novo pensamento crítico começa por se constituir, essencialmente, da pesquisa e pressupõe um mapeamento e estudo da diversidade cultural existente, causa de uma riqueza arquitectónica ímpar. O Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, iniciado pela Associação dos Arquitectos no início dos anos 50, no qual Távora assumiu um papel inegável, vem oferecer um contributo essencial para a reestruturação crítica do programa arquitectónico português.
Mais tarde, a Escola de Távora foi operadora do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) na região do Porto, em pleno fervilhar do pós 25 de Abril, e constrói-se com um programa político próprio que se submeteu às dependências da realidade social. Projecto político é autonomia e autonomia produz debate. A escola do processo democrático é a que lê os neo-realistas e a que produz uma crítica ao moderno original, diferente da do pós-modernismo europeu. A revolução pela evolução - com fundamento exclusivamente ideológico.
A Escola crítica que produz um projecto pedagógico-processo político próprio só pode reclamar autonomia e liberdade, sob o risco de lhe ser administrada uma asfixia que a conduz à regular acefalia de pensamento. (As escolas da acefalia de pensamento são as que se formatam num distanciamento regulamentar entre pessoas e num formalismo normativo bucal nos comportamentos).
A Távora atribui-se o novo paradigma no ensino da Arquitectura. A ideia de que o arquitecto tem de ser um indivíduo culto e sensível, generalista no conhecimento, atento às realidades culturais, sociais e artísticas levou, cremos, a que "o problema da casa portuguesa [fosse] sobretudo os 400 000 fogos que [eram] necessários ao povo português, mas também como fazê-los’", como disse Alexandre Alves Costa anunciando a importância da salvaguarda da identidade cultural.
O processo contínuo de revisão crítica da Escola de Arquitectura do Porto e seus discursos enfrenta a contínua dúvida própria. Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura, Alexandre Alves Costa, Domingos Tavares, Adalberto Dias e outros partilham a devoção ao discurso crítico e o reconhecimento à obra de Távora. Assim, para já - e pelo que se sabe - depois de Távora, ainda Távora.