A invenção de Hugo

Provavelmente, reside aqui o mais singular objecto que Hollywood produziu nos últimos tempos, e basta sentir o desfasamento entre o “trailer” que promete uma coisa e o filme que é outra totalmente diferente para perceber essa singularidade. É que, com “A Invenção de Hugo”, Martin Scorsese assina uma carta de amor ao cinema meia de lição de história, disfarçada de filme familiar à moda antiga que quase podia ser um filme de imagem real da Disney dos anos 1950. Não há explosões nem violências desnecessárias (à excepção de um par de sequências de pesadelo), há uma história que repousa no engenho de um órfão decidido a resolver um mistério que o vai colocar em rota de colisão com o pioneiro do cinema Georges Méliès na Paris dos anos 1920.


Os miúdos de hoje, habituados à velocidade dos jogos de video, são capazes de não achar grande graça a um filme que insiste teimosamente em levar o seu tempo para que as coisas façam sentido todas juntas (e, lá está, é aí que o tal “trailer” que quer vender “A Invenção de Hugo” como “blockbuster” cheio de efeitos visuais e emoções fortes cai na publicidade enganosa). Mas desconfiamos que Scorsese não fez este filme tanto para os miúdos como para a criança grande que há dentro de si e, sobretudo, dentro dos cinéfilos ferrenhos de todo o mundo, que certamente se derreterão perante a homenagem sentida e sincera que Scorsese faz aos pioneiros do cinema. Há que dizê-lo: essa homenagem é pontualmente um pouco didáctica, e não se pode dizer que “A Invenção de Hugo” entre para a lista dos Scorsese “vintage” - os interlúdios burlescos com Sacha Baron Cohen são extemporâneos e desnecessários, o filme parece ocasionalmente comprazer-se na auto-citação compulsiva do passado glorioso do realizador, desde a abertura virtuosa a evocar conscientemente “Tudo Bons Rapazes” às citações pontuais da “Idade da Inocência”.

Mas, ao mesmo tempo, há algo de irresistível em ver Scorsese a usar a moderna tecnologia digital para homenagear o cinema analógico dos primórdios, a recriar subtilmente a própria lógica narrativa dos filmes da primeira metade do século XX (repare-se como as aparentemente supérfluas tramas paralelas da estação funcionam quase como filmes mudos por si só), a usar o 3D com uma inteligência visual que sublinha o lado de “conto-de-fadas”, “feérie” maravilhosa de um filme que não raras vezes parece uma daquelas caixinhas de “sortido de luxo” de bombons. Mas é isso que “A Invenção de Hugo” é: uma caixinha de bombons. Ou antes, uma caixa de música daquelas que as nossas avós tinham em cima da cómoda e que, quando se abriam, traziam de regresso por escassos momentos a ilusão de uma felicidade inocente. “A Invenção de Hugo” não adianta grande coisa à carreira de Scorsese, mas nem já esperamos do cineasta novas obra-primas, nem este filme precisa de o fazer. Basta que saiba contar a sua melodia - coisa que faz com gosto e encanto.?

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