O título, a palavra “polícia” como se tivesse sido escrita por uma criança a debater-se com os mistérios da ortografia, é um achado, pela síntese e pela referência. A referência parece ser, de modo mais ou menos óbvio, o “Police” de Maurice Pialat; e a síntese, assim ortograficamente inscrita no título, é fácil de fazer: vamos ver polícias em acção, como no filme de Pialat, mas polícias especializados no universo infantil (e adolescente), os que trabalham na Brigada de Menores da polícia parisiense.
“Políssia” é certamente o filme mais importante já feito por Maïwenn Le Besco (que assina só Maiwenn e é irmã de Isild, actriz que alguns espectadores conhecerão bem). Pondo as mãos na massa do realismo, urbano e contemporâneo, o seu filme exibe um desejo de relevância “sociológica” que pelo menos em parte terá sido logrado. Fiel às suas matrizes, de Pialat às séries de televisão, sobretudo americanas, sobre o quotidiano policial (que terão alguma coisa a dever, saibam-no ou não, aos primeiros filmes de Frederick Wiseman), é fácil acreditar em “Políssia”, e é fácil acreditar que diz e mostra alguma coisa de verdadeiro sobre a França contemporânea. A Brigada é tomada como uma plataforma de observação, e os casos, aprofundados ou meramente enunciados, terão uma significância que vai para além da questão episódica: há pedofilia, claro, mas muito mais do que só isso, pais irresponsáveis ou desleixados, gravidezes adolescentes, questões religiosas. Como radiografia de um “lado negro” da sociedade francesa, o filme é eficaz e credível.
Num procedimento típico (“típico” se pensarmos na “Balada de Hill Street” e descendências), Maïwenn concilia a estrita actividade policial com as vidas privadas dos agentes, os seus casamentos em crise, os seus problemas pessoais. Nunca é forçado, até porque muito bem apoiado num elenco forte e homogéneo, mas tem tendência a tornar-se dispersivo, a perder em objectividade o que ganha em folhetinesco (o que, em todo o caso, é uma escolha). Certas rimas entre “vida” e “profissão” soam, contudo, demasiado redondas, e nem sempre muito felizes (como quando a polícia anorética e incapaz de engravidar é enquadrada num grande plano a olhar fixamente o feto abortado por uma adolescente). Há também uma personagem que “testemunha”, não por coincidência interpretada pela própria Maïwenn: uma fotógrafa que vem fazer uma reportagem sobre a Brigada. Mas a importância “teórica” da personagem, assunção de um olhar “externo”, um olhar de observador, nunca ganha uma consistência prática que de facto a legitime (até nos esquecemos dela, e se calhar é melhor assim).Todas as contas feitas, é uma aplicação justa mas canónica (quer dizer, sem surpresas) dos trâmites do realismo francês, “ortografia” que o filme emprega, aqui sim, sem gralhas.