Quadro de Vieira da Silva vendido por recorde de 1,5 milhões

Foto
Pormenor de Saint-Fargeau (1965) DR

Acima das expectativas, o quadro Saint-Fargeau (1965), da pintora nascida em Portugal e de nacionalidade francesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), foi vendido, num leilão em França, por 1,54 milhões de euros. É o valor mais alto pago por um quadro de um artista português.

A pintura fazia parte de um conjunto de obras da colecção privada do português Jorge de Brito (1927-2006) que foram levadas a hasta em Paris, pela leiloeira Tajan. Ao todo, estavam em leilão 20 obras de Vieira da Silva. Nem todas foram arrematadas, mas várias foram compradas por valores que atingiram as centenas de milhares de euros. A identidade dos compradores, que podiam licitar online, não foi divulgada.

A leiloeira estimara a venda de Saint-Fargeau entre os 800 mil e 1,2 milhões de euros. Acabou por ser arrematada com uma licitação de 1,3 milhões, a que se somam impostos e taxas. A Tajan já classificara a obra como a peça mais valiosa entre as cerca de 70 que foram postas à venda pelos herdeiros de Jorge de Brito, em lotes que incluíam sobretudo porcelanas e quadros de artistas portugueses (entre os quais Júlio Pomar e Amadeo de Souza-Cardoso) e estrangeiros (Amedeo Modigliani e Sonia Delaunay).

Preço não surpreende
Anísio Franco, conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, explicou ao PÚBLICO que o valor obtido por Saint-Fargeau, embora seja um recorde para uma obra de Vieira da Silva, "é natural" para "uma artista internacional".

Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa, mas mudou-se para França quando tinha 20 anos e foi nesse país que viveu boa parte da vida, tendo obtido a nacionalidade francesa. No ano passado, o quadro Inverno já tinha sido vendido num leilão, também em Paris, por um pouco mais de um milhão de euros e este ano Conséquences Contradictoires e L'équité foram arrematados, em Londres, por valores próximos dos 543 mil e dos 571 mil euros.

Na mesma linha, o crítico de arte e comissário João Pinharanda afirmou que "não é surpreendente" o valor do quadro. Para Pinharanda, "o perigo do leilão" era serem colocadas à venda em simultâneo muitas obras da pintora, o que podia fazer com que "o mercado de Viera da Silva pudesse ficar baralhado".

Porém, o crítico frisa que o facto de a venda ter ocorrido em Paris pode ter ajudado ao desfecho, dado que cidade "consegue ter uma condescedência para com artistas da escola de Paris", na qual Vieira da Silva se integra. "Noutro contexto, em Londres ou nos EUA, poderia ter sido diferente. Acho que foi um risco [pôr 20 quadros à venda], mas [o resultado] é bom para o mercado da pintura da Vieira da Silva". Apesar do tempo que a pintora passou fora de Portugal, Pinharanda realça que "as raízes de inspiração são evidentemente portuguesas" e explica que o facto de a artista morar em França fez com que tivesse "adoptado a lingugagem [artística] internacional no tempo certo", emquanto os pintores que "que ficavam em portugal" estavam "desfasados".

O quadro de Vieira da Silva foi o único item a ultrapassar a fasquia do milhão de euros (e também o único para o qual esse patamar de preço estava previsto). Em segundo lugar na lista dos mais caros ficou uma pintura do italiano Amedeo Modigliani, arrematada por 700 mil euros (mais impostos e taxas), valor que é mais do dobro dos 300 mil euros estimados pela leiloeira. Em terceiro lugar, mas dentro do intervalo de valores previsto, ficou uma escultura chinesa de um búfalo, com 30 centímetros de comprimento, em jade e datada do século XVII - foi licitada por 600 mil euros. Ao todo, o leilão arrecadou quase oito milhões de euros e foi considerado um sucesso pela Tajan.

Anísio Franco nota que a colecção de Jorge de Brito é "a mais importante colecção portuguesa da segunda metade do século XX". A Tajan descreveu-a como "incontornável" na história da arte portuguesa contemporânea.

"É a mais relevante que se fez em Portugal", avalia Franco. "Tinha uma quantidade imensa de obras e grande parte eram de arte portuguesa". Notando que as colecções em Portugal tendiam a ser "muito fechadas", lembrou que "Jorge de Brito optou por olhar para além das fronteiras" do país.

Jorge de Brito começou como bancário no grupo Espírito Santo, tendo depois, no início da década de 1970, criado o Banco Intercontinental Português. Também nessa altura, fundou, entre outras empresas, a Brisa. Para além de investimentos imobiliários, decidiu aplicar o dinheiro numa vasta colecção de arte. Em finais de 1974 foi detido, por ter transferido para o estrangeiro 70 mil contos sem a autorização do Banco de Portugal e numa altura em que o grupo que geria estava fortemente endividado. Esteve ano e meio na prisão, antes de ser condenado uma pena de seis meses, que foi considerada cumprida quando proferida. Entre 1992 e 1994 foi presidente do Benfica.

A colecção, agora gerida pelos herdeiros, inclui ainda outras obras de Vieira da Silva, seis das quais estão na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa e em relação às quais o Estado português tem preferência de compra ao longo dos próximos cinco anos.

Sugerir correcção
Comentar