A Líbia entra numa nova era após a morte de Khadafi
A morte do homem que governou a Líbia durante 42 anos foi anunciada por comandantes militares do governo de transição da Líbia, que acrescentaram que Khadafi foi ferido em ambas as pernas e na cabeça. Mas ao final do dia as circunstâncias da morte não eram ainda claras.
O antigo líder líbio terá ficado ferido após um ataque da NATO e a tomada de Sirte pelas forças do Conselho Nacional de Transição (CNT) que derrubaram o seu regime. Responsáveis do próprio CNT adiantaram que Khadafi foi encontrado escondido num buraco e alvejado quando tentava fugir, chegou a ser divulgado um vídeo que mostra o coronel a ser capturado vivo.
Mais tarde foi anunciada também a morte de um dos filhos de Khadafi, Moutassim Khadafi, que estaria com o pai, e surgiram informações não confirmadas, divulgadas pela estação de televisão Al Arabiya, sobre a morte de outro filho do antigo líder líbio e o seu braço direito, Saif al-Islam Khadafi, que também terá tentado fugir de Sirte numa coluna motorizada. Pouco antes, o ministro da Justiça do governo de transição líbio, Mohammad al-Alagi, dissera à Associated Press que Saif al-Islam tinha sido capturado e levado para um hospital com ferimentos numa perna.
Segundo a Al-Jazira, o corpo de Muammar Khadafi foi levado para uma mesquita de Misurata, mas a estação Al-Arabyia noticiou que o cadáver foi transportado para uma zona comercial daquela cidade, que já se encontra há vários meses sob o controlo das forças revoltosas no país. Apesar de haver informações contraditórias sobre as circunstâncias da morte e o local para onde foi levado o corpo de Khadafi, os vídeos divulgados por vários órgãos de informações internacionais dissiparam as dúvidas sobre o facto de o coronel estar morto. A Al-Arabyia adiantou que o novo regime líbio planeia sepultar Khadafi num local secreto.
A captura de Khadafi levou o primeiro-ministro do governo de transição, Mahmud Jibril, a garantir que anunciará em breve, o mais tardar nesta sexta-feira, “a libertação do país”. E adiantou: “Este era o momento que esperávamos há muito tempo. (...) Penso que é altura de começar uma nova Líbia, uma Líbia unida, um povo, um futuro.”
Em várias cidades Líbias a notícia da morte de Khadafi foi recebida com festejos. Há um mês que as forças do CNT combatiam os grupos leais a Khadafi em Sirte, a cerca de 373 quilómetros de Trípoli. O que aconteceu na cidade contou com um forte envolvimento das forças da NATO presentes no país e hoje o secretário-geral da organização, Anders Fogh Rasmussen regozijou-se com o sucesso da operação. “Após 42 anos, o reino do medo do coronel Khadafi chegou finalmente ao fim”, disse, deixando aos líbios o convite para “decidirem realmente sobre o seu futuro”.
Em comunicado, a NATO adiantou que o fim da sua operação na Líbia “está agora muito mais próximo”, mas que para já é necessário que o CNT “evite qualquer represália contra os civis e dê mostras de contenção em relação às forças vencidas pró-Khadafi”.
"Um momento histórico"A morte de Khadafi foi confirmada ao final da manhã pelo porta-voz do Conselho Nacional de Transição líbio (CNT), Abdel Hafez Ghoga, numa conferência de imprensa em Bengasi, sede do poder. “Anunciamos ao mundo inteiro que Khadafi foi morto às mãos das forças revolucionárias”, declarou. “É um momento histórico, é o fim da tirania e da ditadura. Khadafi encontrou o seu destino”, regozijou-se.
Ao final do dia, o ministro francês da Defesa, Gérard Longuet, adiantou que, a pedido do Estado-maior da NATO, a aviação francesa “parou” uma coluna “de algumas dezenas de veículos” que procurava deixar Sirte, e que foram depois as operações militares no solo a levar à morte do coronel. Um avião francês Mirage-2000 foi mobilizado para “impedir essa coluna de avançar”, adiantou Longuet, enquanto um responsável norte-americano garantiu à AFP que também um avião não tripulado dos EUA lançou um míssil Hellfire contra essa coluna.
Terá sido depois disso que as forças do CNT se aproximaram. “Nos confrontos foram destruídos vários veículos, várias pessoas ficaram feridas ou mortas e, após confirmação, concluiu-se que faziam parte das forças de Khadafi”, disse o ministro francês da Defesa. A NATO confirmou mais tarde que aviões da Aliança atingiram veículos das forças pró-Khadafi ao início da manhã, embora não tenha referido se Khadafi se encontrava nessa coluna.
Numa conferência de imprensa em Trípoli, responsáveis do CNT adiantaram que Khadafi morreu na sequência dos confrontos e que não foi dada ordem para o matar. E confirmaram também que o filho de Khadafi, Moutassim, foi morto e o seu corpo levado para Misurata, mas admitiram não saber se o outro filho do coronel, Saif al-Islam, foi morto ou capturado vivo, adiantou a AFP.
Um combatente do CNT disse à Reuters, por outro lado, que Khadafi estava escondido “num buraco” de onde saiu a gritar “não disparem, não disparem”. Ao início da tarde a televisão líbia Al-Ahrar difundiu uma imagem que adiantou ser do corpo de Khadafi, com o tronco e cabeça ensanguentados e os olhos abertos, rodeado por outras pessoas.
Um responsável do CNT, que não foi identificado, disse à Reuters que Khadafi foi capturado ainda vivo. “Capturaram-no vivo, depois agrediram-no e foi morto” adiantou. “Terá resistido”.
O fim de uma “era de despotismo”Sem surpresa, mas com apreensão, vários líderes mundiais reagiram às informações sobre a morte de Khadafi. Barack Obama considerou que este é “o fim de um capítulo longo e doloroso para o povo da Líbia. E adiantou: “A Líbia tem agora a oportunidade de decidir o seu próprio destino como um país novo e democrático”.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelou aos combatentes de ambas as partes para que “deponham as armas, em paz”, e considerou que "este dia marca claramente uma transição histórica para a Líbia".
Na União Europeia falou-se de um virar de página e do fim de uma ditadora. “A notícia da morte de Muammar Khadafi marca o fim de uma era de despotismo e repressão”, declararam hoje num comunicado conjunto o presidente da Comissão Europeia e o presidente do Conselho Europeu, José Manuel Durão Barroso e Herman Van Rompuy, respectivamente.
“Hoje a Líbia pode virar esta página da sua história e abraçar um novo futuro democrático. Pedimos ao Conselho Nacional de Transição que leve a cabo um processo de reconciliação alargado que chegue a todos os líbios e que permita uma transição democrática, pacífica e transparente no país”, indicaram ainda os mesmos responsáveis europeus.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, considerou que “o povo líbio tem hoje uma boa oportunidade de construir para si próprio um futuro forte e democrático” e o Presidente francês Nicolas Sarkozy disse que o desaparecimento de Khadafi representa “uma etapa fundamental” para a libertação da Líbia e considerou que foi aberta uma nova página na vida dos líbios, “a da reconciliação, unidade e liberdade”.
Em Itália, que teve a Líbia como uma das suas colónias e foi uma antiga aliada do regime de Khadafi, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi reagiu às informações sobre a captura do coronel ao dizer que “a guerra acabou”. E o chefe da diplomacia italiana, Franco Frattini, adiantou que “este é um grande passo em frente” e que a morte do antigo líder líbio “foi uma operação do Conselho Nacional de Transição líbio e de mais ninguém”.
A Rússia, que se opôs à intervenção da NATO e se absteve na votação no Conselho de Segurança que abriu caminho à intervenção militar, manifestou o desejo de que esta transição conduza “à paz e a um Governo democrático na Líbia”. O Presidente Dmitri Medvedev disse que todos os que irão governar a Líbia, incluindo representantes das várias tribos, “devem chegar a acordo sobre a configuração do poder para que a Líbia seja um país moderno e democrático”.
A morte de Khadafi ocorre sete meses após o início dos raides aéreos da NATO, mandatados pelas Nações Unidas para “proteger os civis líbios”, e oito meses depois do eclodir do movimento de rebelião no país, em que as primeiras manifestações foram reprimidas violentamente pelo regime.