António Alves: Há 40 anos a desabafar com megafone de tinta

A primeira mensagem foi pintada com flores. António Alves, antigo muralista do MRPP, acredita que se está a regressar às paredes

Mural do PCTP que se localizava em Olivais Sul Centro de Documentação do 25 de Abril - Universidade de Coimbra
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Mural do PCTP que se localizava em Olivais Sul Centro de Documentação do 25 de Abril - Universidade de Coimbra
 António Alves
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António Alves

Aos 54 anos, António Alves continua a andar com latas de tinta na mochila para poder "desabafar na parede". Já são 40 anos de protesto, quatro décadas de "megafones de tinta". "Eu não consigo parar. No dia que eu deixar de fazer isto é muito mau sinal."

O antigo muralista do MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, fundado em 1970) insurge-se nas paredes das cidades porque não consegue deixar de o fazer. Todos os dias deixa "coisas novas" na rua porque é na rua que está "a palavra do cidadão", aquela que não chega aos jornais e à televisão. E não é o único a fazê-lo.

Está-se a regressar às paredes. Não são murais partidários como nos anos 70 e 80, mas são "stencils", palavras, cartazes políticos. "O cartaz é um grito, mas é um grito de alegria, de fraternidade e de esperança", afirma a jornalista Diana Andringa. No protesto de hoje, 15 de Outubro, em Lisboa, vai realizar-se uma "Oficina de Expressão Política", em que qualquer pessoa pode fazer o seu próprio cartaz. "Este regresso à propaganda artesanal é muito importante. Revela vitalidade, revela criatividade. A palavra é de todos e deixa de ficar circunscrita só às organizações que têm dinheiro para fazer 'outdoors'."

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António Alves a pintar o mural da ZDB DR

As pessoas, diz, "estão a acordar", a reagir à estagnação. "A procissão ainda vai no adro", afirma o activista, que vai participar na manifestação de hoje, sábado. "Vou e vou levar muitos amigos. Isto é à escala mundial. Há um descontentamento global."

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A fachada lateral da ZDB foi pintada por António Alves a propósito da exposição À Esquerda da Esquerda DR

Foram cardos, foram rosas

A procissão ainda vai no adro, diz, referindo-se à manifestação de 15 de Outubro

Foi com flores que pintou as primeiras mensagens. Não é poesia, é a verdade. Estava à porta da escola primária e não havia tinta. Recorreu às "sumarentas flores" vermelhas e cor-de-rosa. Aos 14 anos, acompanhava os "dinossauros" que pintavam os murais do MRPP. Era o tempo de Guilherme Lopes Alves, da Rosário. Nos anos 80, já era o responsável pelas campanhas políticas nas paredes. 

António Alves tem murais políticos pintados em lençóis

O MRPP começou por fazer pinturas rápidas em pontos estratégicos como faculdades e praças. Após o 25 de Abril, começou a usar-se o "stencil". Os activistas/artistas utilizavam placas de "platex" que cortavam com serra. Entretanto, o partido foi apostando nos murais que começaram por ter duas ou três cores. Com o tempo, foram-se tornando mais elaborados, coloridos e complexos. "Fazíamos murais por frisos, em que cada um tinha uma palavra de ordem. Mais tarde, fazíamos murais de 20/30 metros com uma componente social em que as figuras representavam as classes sociais."

Hoje, a situação é diferente. A paixão pelo MRPP terminou ("é uma caricatura do que era"). Também já não se podem fazer murais na rua com a facilidade do passado. Exige-se uma autorização da autarquia ou do proprietário do edifício em questão, como foi o caso da pintura na fachada da galeria Zé dos Bois (ZDB) que António Alves fez com o colectivo Mumia Abu Jamal, do qual é membro. "Ainda assim fomos interpelados pela polícia." Por estas razões, tem-se virado cada vez mais para pinturas rápidas e para o "stencil". "É o mais prático e o mais rápido. Mas isto é muito difícil. Temos de trabalhar as oito horas diárias e depois pensar nestas campanhas para manter o activismo diário."

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