Nobel da Física para “resultado louco” de cosmologia
Desde os anos 1920 que se sabia que Universo está a expandir-se em consequência do Big Bang, a explosão cataclísmica primordial que criou o tempo e o espaço há cerca de 15 mil milhões de anos. Desde então, uma das questões fundamentais que os cosmólogos se colocavam era a de saber qual iria ser o destino final do Universo. A expansão iria mesmo continuar para sempre, até tudo acabar numa imensidão de rochas mortas e geladas? Ou, antes pelo contrário, como um gigantesco elástico, o Universo iria um dia parar de se expandir e começar a contrair-se, acabando por morrer da mesma forma cataclísmica como começou – ou seja, num inimaginável Big Crunch?
Em 1998, Perlmutter e sua equipa do Supernova Cosmology Project (que incluía dois jovens investigadores portugueses do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Patrícia Castro e Nélson Nunes), por um lado; e Schmidt e Riess, do High-z Supernova Search Team, por outro, estavam a tentar determinar a velocidade de expansão do Universo. E independentemente, chegavam ao mesmo “resultado louco” (segundo as palavras de Schmidt, entrevistado pela AFP a seguir ao anúncio do Nobel), totalmente inesperado: o Universo não estava apenas a expandir-se; estava a fazê-lo cada vez mais depressa! O resultado “fez estremecer os alicerces da cosmologia”, salienta o comité Nobel em comunicado.
Energia escuraPensa-se hoje que a aceleração da expansão do Universo é devida a uma enigmática energia, chamada “energia escura”, que contraria o efeito da gravidade e que ainda permanece misteriosa, sendo “talvez o maior enigma da física actual”, salienta o mesmo documento.
O que sim é possível dizer é que essa energia escura representa mais de 70% do Universo, sendo os outros componentes a já célebre matéria escura (que ainda ninguém viu) e uma pequena fracção de matéria “normal”, por assim dizer, que é aquela que observamos todos os dias à nossa volta, tanto na Terra como no espaço.
Ironicamente, o primeiro a falar desta força repulsiva, que afasta as galáxias umas das outras, foi Albert Einstein, na sua teoria da Relatividade Geral, publicada em 1915. Tal como muitos outros cientistas do seu tempo, Einstein pensava que o Universo era estático e imutável. Mas sem uma anti-gravidade, o Universo acabaria por colapsar sobre si próprio, sucumbindo à força de gravidade que atrai a matéria. Por isso, acrescentou às suas equações uma “constante cosmológica”, uma espécie de força repulsiva que neutraliza o efeito da força da gravidade impedindo, assim, a mudança.
Só que, pouco depois, em 1929, o astrónomo Edwin Hubble descobria que o Universo está em expansão – ao observar que a luz das galáxias, que sofre um desvio para o vermelho no espectro electromagnético, assinalando que estão a afastar-se de nós e, logo, que o Universo continua em crescimento. Einstein considerou então a sua introdução da constante cosmológica como a “maior asneira” da sua vida.
Mas afinal, os laureados do Nobel deste ano mostraram que a maior asneira de Einstein estava correcta. E pode-se argumentar que se Einstein (Nobel da Física em 1922, não pela sua teoria, mas pelo efeito fotoeléctrico) ainda fosse vivo, mereceria partilhar com eles o (seu segundo) galardão...
Corrida para as supernovasVoltando ao ano de 1998, as equipas de Perlmutter e a de Schmidt e Riess andavam numa corrida desenfreada entre si para detectar certas supernovas ditas de tipo Ia, extremamente distantes e luminosas, que lhes iriam permitir determinar a velocidade de expansão do Universo. Pensavam medir uma desaceleração, mas foi o contrário que acabou por acontecer.
Ao contrário do que o seu nome parece indicar, as supernovas não são novas estrelas, mas sim estrelas que morrem numa grandiosa explosão. Quando isso acontece, o brilho da estrela aumenta de forma espectacular, o que faz com que as supernovas sejam particularmente visíveis, mesmo que se encontrem muito longe da Terra — o que fez com que, na Antiguidade, se pensasse que se tratava de novas estrelas.
As supernovas Ia, quanto a elas, são o fogo de artifício final de certas estrelas, as anã brancas, que têm uma massa comparável à do nosso Sol, mas toda ela concentrada numa bola do tamanho da Terra. “Uma única supernova pode emitir a mesma quantidade de luz que uma galáxia inteira”, diz o comunicado Nobel. E durante cerca de um mês, o acontecimento é visível mesmo quando a estrela se encontra a milhares de milhões de anos-luz da Terra. As suas variações de luminosidade servem de referência para medir as distâncias no Cosmos.
Graças aos progressos técnicos na observação do espaço, em particular com o advento nos anos 1990 de grandes telescópios terrestres ou do telescópio espacial Hubble, os laureados descobriram assim uma série de supernovas Ia. Mas qual não foi o seu espanto quando constataram que a luz vinda de cerca de 50 dessas supernovas era mais fraca do que previsto. Isso era sinal de que estavam a ver a expansão do Universo a acelerar e não a abrandar.
“Os nossos trabalhos sobre as supernovas, que visavam inicialmente medir a desaceleração da expansão do Universo sob o efeito da gravidade, mostraram na realidade a sua aceleração”, resume Perlmutter na sua página Web pessoal na Universidade da Califórnia.
“As descobertas dos laureados do Nobel da Física 2011”, conclui o comunicado do comité Nobel, contribuíram para revelar um Universo em grande parte desconhecido para a ciência. Tudo se torna novamente possível.”
Notícia actualizada às 14h20