Diário Rasgado são as rugas de Marco Mendes
Folheámos o blogue e ficamos a conhecer as manias do Didi, os vícios do Palas e os episódios da vida de um ilustrador
Diário Rasgado é um blogue que é “um desabafo”. São tiras da vida real transformadas quase em piadas de caserna. É o passado e o presente de Marco Mendes, o personagem careca de uma colecção de ilustrações que podiam ser uma série televisiva – e que em 2012 vão ser editadas em livro.
“É um trabalho que fala sobre o tempo”, conta ao P3 o seu autor. “Há de tudo” como na vida real. “É fácil tornarmo-nos egocêntricos quando falamos da nossa vida. E a mim interessa-me falar de coisas que afectam toda a gente".
"Os personagens têm todos mais ou menos a mesma idade, têm todos mais ou menos a mesma forma de pensar, partilham mais ou menos a mesma ideologia, mas as coisas que lhes acontecem, as coisas de que falam dizem respeito a toda a gente. São coisas simples, o amor, a doença, a falta de dinheiro...”
É o retrato rasgado do Didi e do Miguel Ribeiro (com quem Marco Mendes fundou a editora Mula), do André e do Palas, “o tipo do boné que não pára quieto e que não consegue estar cinco minutos sem roer as unhas”. No fundo, são desenhos de pessoas com defeitos e virtudes.
“Não tem que ser um relato daquilo que se passou. Às vezes não é. Vivemos juntos uns três anos ou quatro e estas tiras são um pouco a exploração disso”.
O Diário Rasgado tem tanto de real como de ficção. “Já vivi em muitas casas e com muitas pessoas. Mas apresento quatro ou cinco pessoas na mesma casa. Logo aí há uma construção, uma ficção. Há coisas que se passaram exactamente como nós as lemos, há outras que se passaram com outros personagens, noutras casas”, conta Marco, docente no Porto (FAUP), Aveiro (ESAP) e Aveiro (UA).
O desenho cresce como uma ruga
Neste universo só há pessoas de carne e osso (OK, talvez um rato sentado no sofá a fumar um charro ou o Iggy Pop a invadir uma vinheta). “Volta e meia poderá acontecer uma coisa estapafúrdia. “Mas os personagens recorrentes são reais.” Viajam, embebedam-se, apaixonam-se, enervam-se e perdem a cabeça, fazem apostas e às vezes (só às vezes) ganham.
Marco Mendes, “um tipo um bocado inconstante por natureza”, explica o ruído do seu traço. “No início tentava ter um desenho muito uniforme, era muito inspirado pelos autores americanos como o Charles Burns, como o Adrian Tomine. Tentava aquele registo limpo, fluído, quase impossível. E depois vi que não era para mim porque eu sou uma pessoa que gosta da matéria, de sujar as mãos, do erro e da rasura, de trabalhar por camadas”.
Uma tira no seu blogue equivale a um episódio. Tudo ou nada. E o aspecto plástico do desenho cresce como uma ruga ou um cabelo branco. “Às vezes o registo gráfico muda completamente de quadradinho para quadradinho. E os personagens também, mesmo fisicamente. Eu se calhar sou o melhor exemplo: tinha cabelo e fiquei careca, não tinha óculos e passei a usar óculos”.
Andamos cá fora e somos absorvidos – como num teledisco dos A-Ha. São desenhos que evoluem, sem prazo de validade. “Depende muito de imprevistos, da manipulação da matéria, de certos acidentes, de certas coisas que correm mal e depois corrijo. É sempre uma coisa por camadas. Até achar ‘já chega’”.