Gorbatchov reconhece que foi um erro não se ter afastado do Partido Comunista
A Gorbatchov sempre lhe foi reconhecido um “estatuto à parte”, o de político que reconhece os seus erros. Em duas entrevistas de fundo, publicadas hoje no diário britânico "Guardian" e na revista alemã "Spiegel", Gorbatchov explica esses erros e os arrependimentos da transição soviética. Se levou ao derrube do grande bloco para lá da Cortina de Ferro e ao fim da Guerra Fria, desencadeou também o colapso económico que mergulhou milhões na pobreza, enquanto alguns ascendiam às riquezas da oligarquia.
À cabeça, e pela primeira vez numa admissão pública (não o fez nas memórias publicadas em 1995), o de “ter demorado tempo de mais na tentativa de reformar o Partido Comunista”.
Devia ter-se afastado logo em Abril de 1991 na grande reunião do comité central, evoca Gorbatchov, e formado então um partido democrático para encetar reformas — uma vez que “os comunistas estavam a travar todas as mudanças necessárias”.
Gorbatchov, com 80 anos e três cirurgias de risco nos últimos cinco, tem o mesmo sentido de humor — “se tiver que ser posso tornar-me cantor pop”, disse ao "Guardian". Apesar de não conseguir abandonar a política — “mesmo depois de três tentativas”, sublinhou ao Spiegel —, explicou arrepender-se também de não ter dado mais poder às 15 repúblicas da União Soviética logo princípio do seu mandato, iniciado em finais de 1988.
Quando começou a equacionar a ideia de uma federação “mais solta”, já a situação estava fora de controlo: a Letónia, Lituânia e Estónia declararam a independência em inícios de 1991, seguiram-se conflitos no Azerbaijão e a Rússia começou a exigir mais ao orçamento soviético.
“Verdadeiros idiotas”Rejeita porém a análise de que qualquer tentativa para mudar o sistema soviético, submerso então numa dura luta entre as facções dos conservadores e dos progressistas, estava condenada ao fracasso. E acredita até hoje, com optimismo, que os principais problemas estavam prestes a ser resolvidos, até que o golpe de Agosto de 1991 lançou as forças rivais “numa nova dinâmica”.
Na lista de erros, o último Presidente soviético enumera também a “atitude branda” que teve com o seu arqui-rival, e então primeiro Presidente da Rússia, Boris Ieltsin, eleito dois meses antes de Gorbatchov ser retido, na sua casa de Verão na Crimeia, por um grupo de membros da linha dura comunista, desagradados com as políticas liberais e de transparência.
“Provavelmente fui demasiado liberal e democrático no que toca a Ieltsin. Devia tê-lo enviado como embaixador para o Reino Unido ou talvez uma qualquer antiga colónia britânica”, disse ao "Guardian".
E quanto à viagem de descanso para a Crimeia, pouco antes da assinatura, agendada para 20 de Agosto de 1991, do tratado que daria maior autonomia política e económica às repúblicas soviéticas: “Aqui cometi outro erro, fui de férias. Provavelmente teria passado bem sem aqueles dez dias de férias... pois estava pronto para voar para Moscovo e assinar o tratado. Mas no dia 18 de Agosto chegou um grupo de gente não convidada. Peguei no telefone para apurar quem eram e quem os tinha enviado, mas já não havia linha. O telefone tinha sido cortado”, recorda no "Guardian", a propósito do golpe liderado pelo vice-presidente soviético, Guennadi Ianaiev, o chefe do KGB, Vladimir Kriutchkov, o ministro da Defesa, Dmitri Iazov, e ainda o primeiro-ministro e o ministro do Interior. “Verdadeiros idiotas, que destruíram tudo”, critica Gorbatchov no "Spiegel".
Esta tentativa de golpe falharia dois dias mais tarde, com a oposição de milhares de russos em protesto junto ao edifício do Parlamento, na capital. E disso ficou para sempre a imagem de Ieltsin, como herói, no topo de um tanque, apelando ao exército para não disparar contra os manifestantes e a instar a uma greve geral, em defesa dos novos sonhos dos russos numa vida melhor e na democracia.
Medvedev em vez de PutinDe Gorbatchov muitos russos recordam apenas aqueles últimos anos do seu mandato, findo em 25 de Dezembro de 1991, com filas para comprar pão e faltas de tudo, desde carne a fósforos, e por muitos críticos apontadas como consequências do liberalismo acelerado que abraçou como destino imediato para o país.
Duas décadas passadas desde a tentativa do golpe que quase acabou com a "perestroika", são muitos os que sentem que apenas alguns dos sonhos foram realizados e que a democracia não chegou. A Rússia está ainda sob o domínio de um só homem: o sucessor de Ieltsin, Vladimir Putin, que após dois mandatos presidenciais lidera agora o Governo, com o seu pupilo, Dmitri Medvedev, no Kremlin, e do qual muitos analistas estimam uma muito provável recandidatura à chefia de Estado em 2012.
Gorbatchov preferia ver Medvedev a avançar aí, considerando que seria “um melhor líder para o país”.
Putin, avalia, “está a bloquear o progresso da Rússia para que o país se torne numa democracia moderna”. “O plano de modernização do Presidente para a economia, a política e outras esferas é bom, mas as suas hipóteses são limitadas. Ele está a ser manobrado e enganado por Putin”.