Um filme doce

Aquela sequência em que Ryan Gosling toca e Michelle Williams canta... a suspensão que a improvisação origina, como uma explosão, a distância que se anula, tudo suspenso, inclusive o discernimento que fica sem efeito. Essa sequência contém "Só tu e eu": um realizador, Derek Cianfrance, subjugado perante a música dos seus actores. Um realizador paralisado pela doçura?


A história de Dean (Gosling) e Cindy Periera (Williams) é a catarse feita por um filho de pais divorciados, Cianfrance. É um "labour of love", que demorou 12 anos e 66 versões de argumento a ser concretizado, sobre o fim do amor. Dois tempos, em progressão através do "flashback" - o passado e o presente, o amor e o cansaço -, caminham até ao ponto em que a união e a separação de Dean e Cindy se encontram, um desencontro final. E ainda, pensando na sequência em Manhattan Bridge, filmada numa única "take": aquela resistência de Michelle Williams, uma forma própria que a actriz continua a ter de (nos) agredir com a doçura; o generoso "mergulho" de Ryan Gosling (no caso da cena em questão é, antes, ameaça de voo), actor que aqui tanto lembra o jovem Robert de Niro - não por semelhança física, mas pelo clima de ameaça; e não que ele ameace fazer mal, ele ameaça fazer-se mal.

Com os actores, peças que se tornaram decisivas para a forma como o filme se foi "escrevendo", o realizador organizou uma rodagem em dois tempos: filmou primeiro o enlevo amoroso, o passado, depois o fim do amor, o presente, e separou os dois com a convivência "forçada" de Ryan e Michelle, durante um mês, no quotidiano da "sua" casa. Para ficarem devidamente cansados um do outro.

Cianfrance tinha, portanto, um diamante entre mãos - temos dúvidas é que tenha conseguido autoridade suficiente para o lapidar. Dito de outra forma: este é daqueles casos em que o investimento e a generosidade de um realizador não é proporcional à afirmação de um cineasta. A questão dos "tempos", por exemplo, é problemática. Mesmo tendo utilizado - como Cianfrance explica em entrevistas - técnicas diferentes em cada "segmento", a coexistência que "Só tu e eu" vai tecendo entre passado e presente é sempre mais apaziguada e linear do que convulsa e tensa. E é como se, progressivamente, as hipóteses de tensão fossem anuladas.

Somos gentil e docemente guiados pela dramaturgia de uma separação que nos é descrita em vez de sermos apanhados pela derrocada emocional - como acontecia, por exemplo, em "Cenas da Vida Conjugal" (1973), de Bergman (isto é: lucidez fulminante), como acontece (isto é: prostração) no cinema de John Cassavetes, referência que Cianfrance assume. "Só tu e eu" tem menos possibilidade de enfrentar esses monumentos. Poderá ser mais capaz de medir forças com a nostalgia, com "O Nosso Amor de Ontem" (1973), de Sidney Pollack, por exemplo, mas a tristeza aí também era alimentada pelo fim do melodrama clássico, consciência que já não assombra Cianfrance. Realizador subjugado perante a beleza dos seus actores. Realizador paralisado pela doçura? Sim, um filme doce.

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