Onde é que elas andam?

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Suspiria Franklyn criou até uma associação que tinha uma missão: promover uma cultura feminina em Portugal

Mesmo quando lhe apetece subir ao palco com roupas mais femininas, Cláudia Guerreiro tenta sacudir essa vontade para longe. Sabe que não são esses os modelos que povoam maioritariamente o seu guarda-roupa, mas há dias em que "apetece a qualquer mulher que se quer evidenciar um bocado". "Agora, em concerto", ressalva, "nunca". Não quer sobressair, não quer que o género tenha peso algum quando está a tocar na companhia dos outros três elementos dos Linda Martini. Da mesma forma que, de início, recebia os elogios como exemplos de paternalismo machista. Uma boca dizia "Parabéns, tocas muito bem" e os ouvidos dela captavam "Para miúda, não está nada mal". Se fosse homem, acreditava, ninguém prestaria atenção ao baixo nas suas mãos.

É por isso, por essa pressão desproporcionada de ter mais olhos em cima dela do que seria normal, que acredita que muitas mulheres desistem da música enquanto instrumentistas. "Muitas vezes uma rapariga só está lá 'porque é fixe', e então parece que tem de se provar alguma coisa a alguém, e passa-se o tempo numa luta desnecessária". É um ponto de equilíbrio delicado. E, por isso, basta um comentário mais duro entre duas músicas para que a confiança ceda às tonturas e a queda para fora do palco se torne inevitável. Mesmo assim, custa-lhe a perceber porque há tão poucos instrumentos tocados no feminino em Portugal: "Os concertos estão cheios de raparigas, mesmo os de música mais pesada. Não percebo".

Cláudia Guerreiro faz parte dessa espécie rara em Portugal - e não só - de mulheres que estão no rock como instrumentistas e não na linha da frente. Os dedos das duas mãos quase custam a preencher-se: Joana Longobardi (Mão Morta), Mariana Ricardo (München), Francisca Cortesão (David Fonseca, no lugar que antes era de Rita Redshoes), Mariana Costa (B Fachada), Filipa Cortesão (Belle Chase Hotel) e um ou outro exemplo exclusivamente feminino como Black Widows. Suspiria Franklyn, que fundou as/os Baton Rouge e prepara agora um novo projecto, tem tentado quebrar esta regra e criou até uma associação, a Jeanette Plat, que tinha por missão "promover uma cultura feminina em Portugal".

"Fazia management e agenciamento, dava dicas de como fazer os sites, marcava concertos", propunha-se ajudar como podia as colegas de profissão. Mas desistiu, por falta de clientes. Quando contactava as bandas, raramente tinha respostas. "É desesperante estar sempre a dar e depois não ver nada".

Quando começou a tocar em 94 com as Everground, havia outras bandas femininas como Voodoo Dolls, Mary Jane ou Black Widows. Suspiria lembrou-se então de juntá-las a todas num festival, mas falhou nesse intento. Tudo esbarrou nas discussões de quem tocava primeiro, quem ficava para último. Depois, formou as Baton Rouge em 98, logo após as Everground serem contactadas pela Valentim de Carvalho para gravar um álbum. "Elas não quiseram dar o passo mais à frente. Éramos umas miúdas com 15 e 16 anos e elas acharam que ainda não estávamos preparadas. E então tive de começar uma nova banda, os Baton Rouge. É complicado, mas é essa falta de empenho que às vezes falta." E essa falha detectada por Suspiria, sempre a tentou compensar ensinando o resto da banda a tocar. Quando as Baton Rouge começaram, as outras raparigas "nunca tinham tocado um instrumento na vida". E Suspiria, a insatisfeita, assumiu o papel de Suspiria, a professora.

No seu entender, esta escassez de mulheres instrumentistas no rock pode estar ligada a uma procura de protagonismo. "Se tiver de optar entre ser vocalista ou baterista, que fica lá atrás, vou ser vocalista para toda a gente ver", diz tentando pensar por cabeça alheia. "Há imensas bandas pop com vocalistas femininas, mas não vejo uma banda pop com uma guitarrista ou uma baterista. Não sei se isso tem que ver com essa procura de exposição ou se são os homens a pensar que uma voz feminina dá sempre um ar mais melodioso".

As Bellenden Ker, versão portuguesa para as Babes in Toyland, juntaram-se para participar num jogo e foram percebendo que, afinal, havia um caminho a percorrer. Actualmente a gravar o seu primeiro EP, sobem para palco com maquilhagens esborratadas, bonecas estropiadas e tecidos rasgados, numa recusa do ideal de beleza que sentem quererem enfiar-lhes goela abaixo. Tal como Suspiria, acreditam que as raparigas desistem demasiado rápido e antes se entregam a percursos académicos e profissionais, a vidas estáveis. "Acredito que os pais depõem muitas esperanças em cima delas", diz Marta Lefay, e depois são vencidas pelo "peso na consciência".

No caso de Cláudia Guerreiro, que começou por ser preterida por outros rapazes para as bandas dos amigos e foi empurrada para o baixo quando tocava era guitarra, a ideia pouco séria associada à música foi complicada de ultrapassar a nível familiar. "Era complicado ter ensaios, ir para uma garagem. Como se ensaiar de manhã fosse andar na borga ou fosse uma galdéria por isso. Aos 20 anos ainda me era difícil, parecia que estava sempre a fazer alguma coisa de mal. Tentei várias vezes fazer entender como era absurdo, e agora que isto está a funcionar, temos concertos e recebemos algum dinheiro, então já é fixe". "Afinal não é só brincadeira; afinal, é isso que te está a safar a vida, ainda bem que tens a banda", parece ouvir aos pais. Cláudia sabe que tem inspirado a que outras mulheres peguem num baixo, mas continuar a sentir falta de tocar, pela primeira vez, com uma mulher. "Só para ver como é".

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