Brasil: Esta é a eleição mais agressiva dos últimos tempos?

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Dilma no meio da multidão em Guarulhos Nacho Doce/Reuters

Na primeira volta, a presença de Marina Silva diluiu a polarização. Os seus 19 por cento de votos abrangeram gente PT ou PSDB, e ela optou por se manter neutra na segunda volta. Recomendar Dilma Rousseff ou José Serra desagradaria sempre a parte da sua base de apoio.

Mas a neutralidade reforçou a polarização. Sós em campo, Dilma e Serra começaram a lutar por esses votos, incluindo os dos religiosos que tinham apoiado Marina (uma evangélica), e o debate em torno do aborto subiu de tom. No debate televisivo que abriu a segunda volta, Dilma apareceu ao ataque, e a tensão entre os candidatos ficou assumida. Depois, num passeio de campanha no Rio de Janeiro, Serra foi agredido com um rolo de autocolantes num tumulto com militantes do PT, e chamou ao PT partido nazi. Lula contra-atacou dizendo que o episódio era uma farsa. Na sua campanha, Dilma escapou de sacos com água. Defensores de um e outro extremaram argumentos.

Entretanto, a vantagem de Dilma aumentou de seis para dez pontos.

Domingo, no Rio, enquanto Lula e Dilma faziam uma "carreata" triunfante pela Zona Oeste, Serra denunciava na Zona Sul os "dois ou três escândalos por dia" do Governo Lula. E no meio de tudo isto, Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma, acusada de corrupção, ia ser ouvida na polícia ontem.

À noite, os candidatos tinham debate na TV Record.

Estaremos perante a eleição mais agressiva dos últimos tempos?

Merval Pereira, do "Globo", acha que sim. "A última eleição agressiva desse jeito que tivemos foi em 1989, com Lula, Brizola, Collor, Mário Covas, e Sarney como Presidente. Foi uma eleição horrorosa. O estilo do Collor era muito agressivo, o Lula tinha estilo de radical de esquerda e Brizola também. Era a primeira eleição directa em democracia. Teve confrontos físicos entre o PT e Collor, agressões ao próprio Sarney. E teve o episódio do Collor botar na propaganda uma ex-namorada de Lula a dizer que ele tinha querido que ela fizesse aborto. Foi uma coisa chocante. Depois essa filha de Lula, Lurian, apareceu na campanha ao lado do pai."

Nos 11 anos seguintes, "não houve nada parecido". "A sucessão de Fernando Henrique foi óptima, não influenciou a campanha, facilitou tudo, tanto que o Lula agradeceu a atitude republicana dele." Voltou a haver tensão em 2006, por ser a eleição a seguir ao "Mensalão", o escândalo em que o PT pagava mesadas a deputados. "Mas não houve agressividade como hoje", diz Merval Pereira, que responsabiliza Lula pela "violência" actual.

"Assumiu como missão eleger Dilma de qualquer maneira. E comporta-se como um cabo eleitoral. Já foi multado várias vezes. É o chefe da campanha. Bota a máquina do Estado ao serviço. Levou-a a inaugurações, usou o Palácio da Alvorada para gravar programas a favor da Dilma." E "escolheu alguns políticos para derrotar pessoalmente", senadores, governadores ou deputados, na primeira volta.

Agora, "quando o Serra foi agredido no Rio, deu uma entrevista dizendo que era uma farsa, que tinha sido uma bolinha de papel", diz este colunista. "Então, o Presidente está estimulando este tipo de comportamento. Não está só empenhado. Parece que ser derrotado é uma ofensa pessoal."

Fernando de Barros e Silva, colunista da "Folha de São Paulo", tem outra visão. "Acho que o nível de agressividade tem sido padrão. Considero esse episódio de Serra um facto isolado, que foi amplificado pela própria campanha do PSDB."

E quanto a Lula? "Foi o grande protagonista, desde a escolha da Dilma. Só não conseguiu tirar a Marina da primeira volta, o que atrapalhou os planos dele. Comportou-se de forma inadequada, desafiou a legislação eleitoral, confundiu figura de cabo eleitoral com Presidente. É condenável. Mas não atribuo o grau de in- flamação na campanha a Lula. Acho até que esse comportamento dele contribuiu para a rejeição de Dilma na primeira volta." Portanto Lula não terá interesse em repeti-lo.

Barros e Silva acha que "a campanha de Serra é muito responsável" pela subida de tom. "Como não tinha um programa para contrapor, dependeu da escandalização. Alguns escândalos existiram e são graves, como o da Erenice. Mas o Serra precisou deles para criar um discurso, mobilizando uma oposição mais conservadora, e misturou isso com o aborto, o que empurrou a campanha dele para a direita. Eu já não sei o que o Serra é."

Mais que violenta, "esta eleição é desfocada", diz Barros e Silva. "Candidatos teatrais, pouco autênticos, que discutiram pouco ou nada os problemas da economia. O quadro económico é menos bom que no arranque da campanha e a gente não sabe o que os candidatos pretendem fazer."

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