Os 15 minutos de fama de Jean-Michel Basquiat ainda não expiraram

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No último fim-de-semana, em Paris, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas, mas isso não impediu que os museus continuassem repletos. Quem aparentava ter menos de 18 anos tinha de mostrar o bilhete de identidade para entrar na polémica exposição de Larry Clark, o Pompidou estava repleto por causa de Arman e no Museu de Arte Moderna uma fila enorme de visitantes esperava com paciência pela sua vez para entrar na retrospectiva de Jean-Michel Basquiat.

É a exposição mais badalada do Outono parisiense. É a primeira grande retrospectiva do artista em França. Inaugurou há uma semana, prolongando-se até 30 de Janeiro, com um programa paralelo que inclui várias iniciativas, entre elas a exibição nas salas de um novo documentário - "Basquiat", realizado por Tamra Davis, a partir de uma entrevista inédita que a americana lhe fez, antes da sua morte em 1988, aos 27 anos, por overdose.   

Se fosse vivo, Basquiat faria 50 anos este ano. Dá que pensar. Que seria hoje de um artista representado ao longo dos anos como rebelde, primitivo, um talento exótico eternamente adolescente, o primeiro artista negro a triunfar no mercado da arte? Uma imagem largamente reforçada pelo filme de Julian Schnabel, "Basquiat" (1986), que descrevia alguém com uma vida intensa, que morreu no apogeu, em estado de graça. 

O que a exposição de Paris acaba por mostrar é que não foi apenas a vida que foi fulgurante. A obra também. Percebido durante anos como o negro que o mundo da arte contemporânea aceitou, não exactamente pela qualidade do seu trabalho, mas para preencher as quotas de diversidade cultural, foi afinal alguém que no espaço de dez anos se impôs com uma visão pictórica própria, reflectindo um grande conhecimento da história da arte, distante da visão redutora do "artista de rua" que ainda lhe é associada.

Apesar de ligada a uma época e a um lugar específicos - a Nova Iorque de final dos anos 70 e alvorada dos anos 80 -, a sua obra acaba por ser emblemática também de um tempo, o nosso, de crioulização, de hibridismo, de mestiçagens infinitas. Quando o minimalismo e a arte conceptual ainda eram as forças dominantes, surgiu com um estilo de ruptura, expressivo, de gestos impetuosos, ao mesmo tempo subversivos e poéticos, expostos em pinturas cartográficas que não reproduziam uma realidade existente, preferindo construir uma realidade paralela, extravagante. Os seus quadros acabam por ser uma polifonia de sobreposições de signos, linguagens, geografias e histórias.

Da rua para a galeria

O pai de Jean-Michel Basquiat nasceu no Haiti, a mãe em Nova Iorque, filha de porto-riquenhos. Essa dupla ascendência veio a revelar-se importante, e Nova Iorque a cidade ideal para um cruzamento de influências que veio a contaminar o seu trabalho. "Nunca estive em África. Sou um artista que recebeu a influência do meio nova-iorquino. Mas tenho uma memória cultural. Não preciso de a procurar para saber que ela existe. Ela está em África. A nossa memória cultural segue-nos por todo o lado, independentemente do local onde nos encontramos", declarava ele em 1986.

Os pais, da classe média instruída, habitavam em Brooklyn, e encorajaram-no desde cedo a aprofundar a relação com a arte. Desde os seis anos que frequentava regularmente o Museu de Brooklyn e, na adolescência, foi consumidor compulsivo de revistas e catálogos de arte. Esta retrospectiva deixa de lado a figura, a personalidade, o amigo de Warhol, para se concentrar no virtuoso do pincel, alguém mais próximo de De Kooning, Picasso, Rauschenberg, Warhol, Burroughs ou Artaud do que do graffiti. 

Uma linguagem que começou a praticar, na companhia de Al Diaz, em 1977, com a designação SAMO - abreviatura de Same Old Shit. Mas aquilo que os dois criavam tinha mais a ver com a linguagem da expressão poética ou da declaração política (inscreviam frases em muros situados ao pé das escolas de arte e das galerias de Manhattan). A partir de 1981, abandonou o território da rua, concentrando-se nas pinturas e nos desenhos. Muitas das suas obras representam negros. Pertencem a uma genealogia sentimental pessoal (Cassius Clay, Jesse Owens, Malcolm X, Miles Davis ou Charlie Parker), embora também pareça existir uma vontade de construir um repertório subjectivo da cultura negra americana.

A amizade com Warhol deu-lhe exposição. Dir-se-ia que se vampirizaram mutuamente. Warhol, que nos anos 80 era a lenda viva de quem todos queriam aproximar-se, deu-lhe conselhos decisivos em matéria de comunicação. Basquiat deu-lhe energia, uma segunda vida como artista, quando os dois resolveram colaborar. Basquiat morreu 18 meses depois de Warhol, quando os seus quadros atingiam no mercado verbas colossais.

Como Warhol nos anos 60, Basquiat afirmou-se, na passagem dos anos 70 para os 80, num momento empolgante da cultura pop americana. Nas ruas, nos bares, nas galerias, nos clubes de dança ou nas salas rock, Nova Iorque faiscava. A música funcionava como aglutinador. O pós-punk pulverizava-se (Talking Heads, Television, Ramones, Blondie, Liquid Liquid, DNA, Suicide), dançava-se disco e o hip-hop irrompia. A arte passava da rua para a galeria com Keith Haring. Nos pátios das escolas e nos parques públicos de zonas carenciadas, como o Bronx, a festa fazia-se ao som do hip-hop de Afrika Bambaataa. Uma das principais características destas movimentações era o contacto entre as diferentes disciplinas. E Jean-Michel Basquiat estava lá.

Feroz e primitivo

Se Warhol foi fundamental para o culto à volta do disco "Velvet Underground & Nico", Basquiat esteve por trás de "Beat Bop" de Rammelzee & K-Ron, para além de ter feito parte dos Gray, um grupo que misturava noise, jazz e o frenesim punk da época, e do qual fazia parte também o actor Vincent Gallo. Como melómano, o jazz, e em particular Charlie Parker, eram a sua musa, mas da cultura hip-hop guardou os métodos (sampling, scratching, deejaying, reciclar, repetir, aparar), aplicando-os na sua actividade pictórica. Existe uma simplicidade de gestos e de procedimentos na maior parte das suas obras que parece ter-se inspirado na economia estética do hip-hop e na energia e na capacidade sincrética de muitas das formações do pós-punk.

Dir-se-ia que Basquiat conseguiu mesclar a cultura urbana do Harlem ou do Bronx (rap, graffiti, breakdance) com a cultura artística de Manhattan (expressionismo abstracto, arte pop, arte conceptual, pós-punk), cruzando influências e memórias, promovendo um espaço artístico polifónico, singular, só seu.

Ou, como resumiu o actor Johnny Depp, num texto do catálogo: "Basquiat foi, e continua a ser, música. Feroz e primitiva."

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