Sarkozy, Presidente-Sol em quarto minguante

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Philippe Wojazer/Reuters

O pior que pode acontecer a um Presidente imperial como Nicolas Sarkozy é a populaça nivelá-lo com o seu pior inimigo - a golpes de intenção de voto. Até isso sucedeu, nesta rentrée política, ao chefe de Estado francês, "Presidente-Sol" em ciclo estelar negativo.

Crispação social, erosão política, deriva securitária, relações tensas com a justiça e os media, desaires diplomáticos: o "hiperpresidente" parece enredado numa "espiral infernal ", como lhe chamou o semanário Le Point.

Sarkozy tem dois anos para recuperar mas, como repete um coro de analistas, o resultado das eleições presidenciais de 2012 começa a preparar-se neste Outono.

Uma sondagem recente para o jornal Parisien revelou um chocante tête-à-tête entre o actual chefe de Estado e o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin. Aparecem ambos ex aequo com 15 por cento das preferências do eleitorado para as presidenciais. "Humilhante" para Sarkozy, resumiu a imprensa. [Uma outra sondagem, publicada pelo Nouvel Observateur, indica que Dominique Strauss-Kahn (também conhecido como DSK), actual patrão do Fundo Monetário Internacional/FMI em Washington, poderá ser um potencial candidato vencedor dos socialistas, derrotando Sarkozy, numa segunda volta, por 59 por cento dos votos contra 41.]

Sondagens valem o que valem, sobretudo a dois anos da ida a votos, ressalvam muitos observadores - e, sobretudo, os aliados do Presidente. Mas o barómetro do eleitorado indica que Nicolas Sarkozy não conseguiu por enquanto inverter a dinâmica negativa iniciada com a derrota nas regionais de Março, continuada no enorme embaraço do caso [de possíveis irregularidades no financiamento da campanha eleitoral de Sarko] que liga Eric Woerth, o ministro do Trabalho, à herdeira da maior fortuna de França, Liliane Bettencourt [do império L"Oréal], e no dano colateral do conflito com o respeitado Le Monde, por causa de uma alegada violação do segredo de uma fonte do jornal pelos serviços de espionagem, e coroado pelas críticas causadas pelas expulsões de ciganos.

As "más" sondagens de Nicolas Sarkozy cristalizam também a impressão difusa, tanto a nível interno como nas instâncias internacionais de Bruxelas, Genebra, Nova Iorque ou Washington, de que o endurecimento securitário anunciado no já famoso discurso de Grenoble, no final de Julho, não produziu os efeitos desejados pelo Presidente. Ao relacionar directa e explicitamente delinquência e imigração, Sarkozy ganhou uma pequena franja da extrema-direita, no eleitorado da Frente Nacional, mas acentuou as divisões no seu próprio campo, além de agastar ainda mais o eleitorado de centro e esquerda.

A contestação do novo regime de reformas, motivo de manifestações e greves que vêm subindo em tom e adesão, e a fragilidade política do ministro que deveria dar a cara por esse dossier fulcral, Eric Woerth, agudizaram a posição do Presidente francês.

O filósofo Mathieu Potte-Bonneville declinava, esta semana, uma paródia de um princípio de Marx, aludindo à "baixa tendencial do juro político". Segundo o filósofo, "a energia investida para restringir ainda mais os direitos dos estrangeiros aumenta em proporção inversa ao benefício eleitoral das suas medidas, sob o risco de ver a exibição do poder transformar-se a breve trecho em constatação de impotência (para proveito maior da Frente Nacional)".

As recentes sondagens parecem dar razão a Potte-Bonneville (ou a Marx). Villepin, ilibado no processo Clearstream em torno de uma conspiração política para desacreditar Sarkozy antes da eleição de 2007, é afinal o homem que ombreia com o Presidente no território da direita parlamentar. O rival de Sarkozy pretende seduzir os "órfãos da República" para o seu novo movimento, lançado há apenas três meses.

"A França precisa de outra voz", afirmou Villepin na cerimónia de lançamento do novo partido, República Solidária, em Junho. Sem nomear Sarkozy, o ex-primeiro-ministro associou-o à "descida de nível da política" e denunciou "o espírito de corte, tudo o que corrompe o espírito nacional e a própria ideia de interesse nacional".

"Se temos um problema, não é esta ou aquela reforma, nem a maioria (...), é simplesmente Nicolas Sarkozy, foi ele que sofreu um revés, é ele e o seu método e o seu estilo que são rejeitados por uma parte do nosso eleitorado", declarou um dos apoiantes de Villepin, François Goulard, deputado do mesmo partido do Presidente, a União para um Movimento Popular (UMP).

A "união nacional negativa"

Para Sarkozy, é um mau sinal que o primeiro desafio consistente no horizonte de 2012 surja do seu próprio campo e partido (os socialistas ainda contam espingardas para um provável combate dentro de casa pela nomeação de um candidato a 2012). A vitória do candidato ao Eliseu, em Maio de 2007 começou com uma revolução na UMP, desde a eleição de Sarkozy para a presidência do partido, em Novembro de 2004. Sarkozy modernizou a UMP, abrindo-a a um largo espectro político através de uma vintena de convenções temáticas organizadas em 2005 e 2006. Mais do que o presidente de um partido, Sarkozy consolidou o seu papel e a sua imagem de líder federador de todas as direitas francesas. Uma première no pós-guerra.

O historiador René Rémond enunciava, em 1954, que França não tinha apenas uma direita, mas três: a legitimista (reaccionária e tradicional), a bonapartista (reagrupando os gaullistas) e a orleanista (centrista e liberal). Todas as tentativas de unificação ou de hegemonia à direita falharam, acrescentava o historiador, cuja tese, notam hoje vários comentadores, foi confirmada pela sucessão de "lutas fratricidas" pela candidatura de direita à Presidência durante a V República: De Gaulle e Lecanuet em 1965, Poher e Pompidou em 1969, Chaban-Delmas (que desistiu) e Giscard d"Estaing em 1974, D"Estaing e Chirac em 1981. Chirac foi, depois disso, desafiado por Raymond Barre (1988), Édouard Balladur (1995) e François Bayrou (2002). Sempre houve mais do que um candidato de direita, em todas as eleições. Até 2007.

Durante os primeiros dois anos de mandato, Sarkozy cerrou as fileiras da UMP, consolidando o seu poder na máquina partidária. Assim que chegou ao Eliseu, os estatutos da UMP foram mudados (até 2012), abolindo o cargo de presidente do partido e substituindo-o por uma direcção colegial. Não haverá riscos de emergência de um concorrente "interno" ao chefe de Estado. A realidade a meio do mandato, porém, é a de um partido em perda de vitalidade, confirmada pelas adesões em queda livre (a UMP perdeu 140 mil militantes em dois anos).

As eleições regionais de 2010, com a maior derrota da direita republicana desde o pós-guerra, mostraram também os limites e a rigidez de crescimento, corolário indesejado da estratégia de "união nacional" seguida por Sarkozy. O Presidente atraiu ao seu Governo socialistas como Éric Besson e Bernard Kouchner [o ministro dos Negócios Estrangeiros, que confessou à RTL ter considerado demitir-se devido à expulsão dos ciganos: "Sim, pensei nisso, mas qual seria o resultado? É difícil mas tenho de encarar a realidade"] e colocou sob o chapéu da maioria elementos provenientes de projectos tão diversos como o Novo Centro, os Progressistas, a Esquerda Moderna, o Fórum dos Republicanos Sociais, os gaullistas, o Partido Radical Valão...

O anúncio formal do movimento de Villepin ocorreu um dia depois da comemoração dos 70 anos do apelo do 18 de Junho de 1940 pelo general De Gaulle, aos microfones da BBC, no exílio de Londres, exortando os franceses à resistência contra o regime colaboracionista do marechal Pétain e dos invasores nazis alemães. Um sinal simbólico de que Sarkozy é o adversário a combater e a abater, não apenas pela oposição socialista, grande vencedora das regionais de Março, mas no seio da direita francesa.

A linguagem recente de Villepin é rica em termos como "irredutível", "insubmisso", "verdade", "unidade", "reconstrução" e codifica, nesse discurso, um objectivo que é, afinal, o mínimo denominador comum das agendas políticas francesas nos próximos dois anos. A propósito de Dominique de Villepin, os aliados de Sarkozy no seio da UMP contrapõem sibilinamente que "o gaullismo não é o ódio pelo outro". Mas a associação ganhadora parece ser, por enquanto, a da República Solidária, ao reclamar a herança simbólica de De Gaulle, Villepin, "vítima" e "resistente", coloca em subtexto o Presidente Sarkozy do lado errado da História. O panteão maldito de Pétain.

Foi nessa fraca companhia, aliás, que a comissária europeia Viviane Reding colocou há poucos dias o Governo francês, denunciando a política "vergonhosa" de expulsão de ciganos. Ignição da indignação da comissária: a revelação pela imprensa (francesa) de uma circular do gabinete do ministro do Interior, Brice Hortefeux, instruindo os prefeitos e os comandantes de polícia de toda a França para garantirem o desmantelamento de acampamentos ilegais, "em primeiro lugar de ciganos". Esta indicação étnica específica era repetida sete vezes nessa circular, uma ordem administrativa que dava seguimento ao discurso de Grenoble.

Em resposta a Viviane Reding, Pierre Lellouche, secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus, estalou o verniz aos microfones da RTL, afirmando que "Roissy não é Drancy"! Roissy é o local onde fica o aeroporto Charles de Gaulle, de onde estão a ser deportados alguns ciganos romenos e búlgaros. Drancy, também na região de Paris, ficou tristemente célebre por ter albergado na França de Vichy um campo de triagem, de onde mais de 4 mil judeus foram deportados para Auschwitz.

Em Bruxelas, à margem do último Conselho Europeu, Nicolas Sarkozy reagiu também às declarações de Reding afirmando que a comparação entre as deportações dos anos 40 e as expulsões de ciganos em 2010 o deixaram pessoalmente "ferido". No mesmo passo, deu conta do "apoio total" que teria sido manifestado pela chanceler alemã, Angela Merkel, às deportações em França. O "apoio" foi de imediato desmentido por Berlim. O Presidente francês voltou a Paris com outro amargo de boca, após uma discussão acalorada no almoço com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Sarkozy "queimou as últimas cartas da França", resumiu um editorialista francês.

O desmantelamento de campos e a deportação "voluntária" de ciganos veio somar-se a outras propostas e ameaças feitas por altos responsáveis do Governo francês, como a perda de nacionalidade para crimes contra agentes da ordem pública ou a ideia de encarcerar os pais de menores delinquentes. O historiador Pierre Rosanvallon afirma, a propósito, que "parece hoje claramente que este poder perdeu qualquer relação com a realidade".

"É por sentir que a realidade lhe escapa que o poder tem necessidade de reconstruir uma espécie de realidade imaginária sobre a qual terá controlo através das palavras. Assistimos deste modo à construção de um mundo imaginário em que há um tipo de reconfiguração das condições da acção", explica Ronsanvallon.

"O que descobrimos hoje é que o sarkozysmo já não é uma doutrina, nem uma política: é uma tentativa permanente de adaptação oportunista às realidades", declarou Pierre Rosanvallon ao jornal online Mediapart, um projecto editorial assumidamente anti-sarkozysta. "Já não há "um" sarkozysmo. Isso foi uma equação positiva para federar as direitas e ganhar as eleições presidenciais de 2007. Mas hoje é pertinente falar de vários sarkozysmos que não pararam de evoluir: um sarkozysmo nacional-colbertista; um sarkozysmo securitário, um sarkozysmo liberal."

O historiador acrescenta: "Temos agora a forma mais caricatural e revoltante do sarkozysmo, que é a da união nacional negativa, digamos. É a tentativa de construir um consenso pelas formulações mais arcaicas da xenofobia e da rejeição do outro. O que terá certamente consequências muito graves."

"Violência de Estado"

Numa entrevista ao PÚBLICO há alguns meses, o mediador da República francês, Jean-Paul Delevoye, assinalava que, "antes, as clivagens eram relativamente claras, ou se era de esquerda ou direita, rico ou pobre. Hoje, há muitas fragmentações que criam novas fronteiras", disse o mediador dos cidadãos na ocasião em que apresentou um relatório anual de tom muito apreensivo.

"Não acredito na revolução, e digo quase infelizmente. Não pela revolução, mas a revolução é uma forma de explosão de energia. Eu receio mais a possibilidade de um desabamento, pela lassidão, pelo desalento, com uma possibilidade de evasão do sucesso e da localização do fracasso", acrescentou o mediador.

"As sociedades geram três sentimentos: as esperanças, a que aderimos com entusiasmo de construir algo em conjunto; o medo; e as humilhações. Vemos bem que, quando o político já não sabe ir ao campo das esperanças, vai ao campo do medo e das humilhações", afirmou também Jean-Paul Delevoye, que observa que em França "o racismo social ganha força sobre o racismo de cor".

Cientistas políticos e historiadores têm salientado que a democracia continua a funcionar em França, "evidentemente", e que observam "um sentimento de contestação muito profunda da sociedade". A confirmá-lo, mais de 2,5 milhões de pessoas em toda a França participaram no início de Setembro em mais uma jornada de manifestações e greves contra o novo regime de reformas. "Mas há também uma falta de alternativa que cria um sentimento de podridão. A indignação é maioritária no país mas a indignação não faz uma política", resume Rosanvallon.

Nesse ponto, muitos analistas dentro e fora de França - nomeadamente na Alemanha, após o incidente com Merkel em Bruxelas - aproximam o estilo de Sarkozy ao maximalismo exuberante de Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, o único líder europeu que manifestou um apoio incondicional ao reforço da política de segurança interna do Presidente francês.

"Se a palavra "autoritarismo" vem de forma muito natural e rápida ao espírito a propósito do regime actual, é porque se aplica às mil maravilhas à pessoa do Presidente da República. Os franceses têm medo de Nicolas Sarkozy", escreve o jurista Serge Portelli no recente livro O Sarkozysmo sem Sarkozy. Portelli, vice-presidente do Tribunal de Paris, recorda uma sondagem de 2007 em que 53 por cento dos franceses se dizem "preocupados" com Sarkozy e 86 por cento o "acham autoritário". Mais recentemente, porém, uma sondagem revelou que a mão de ferro com os ciganos e "nómadas" colhia o acordo de mais de dois terços dos franceses.

Serge Portelli, num livro longo e seco, analisa "o sarkozysmo na fronteira da democracia" e estabelece uma comparação entre o estado-limite em psiquiatria, "situação intermédia na fronteira entre nevrose e psicose", e a situação da França actual. "O Estado-limite é uma situação intermédia em que não estamos nem na democracia normal nem na ditadura, mas onde encontramos todos os fermentos de uma derrapagem possível."

O Estado-limite conserva a arquitectura da democracia, nota o jurista e ensaísta. "Vemos um Parlamento a funcionar, há eleições, os media existem, a justiça julga, as oposições exprimem-se. Mas o regime caracteriza-se por uma excitação, uma agitação extrema que contradiz violentamente o quadro visível das instituições." Portelli acusa o funcionamento "inabitual" do Estado, dado que, "sobre a base de uma ideologia inquietante e demagógica, se desenvolve uma vontade de absoluto nas resoluções, um extremismo nas posições, uma impulsividade na palavra, uma agressividade na acção, que se traduzem por um exacerbamento permanente da violência de Estado".

Para os críticos de Sarkozy, o autoritarismo febril do Presidente corresponde a um estilo pessoal, emocional e impulsivo, cujo melhor condensado continua a ser a célebre bravata do Presidente, numa visita à Feira da Agricultura em 2008, lançada a um homem que recusou apertar-lhe a mão: "Desanda, pob"idiota!"

O "servilismo voluntário"

Um filme de Toni Gatlif sobre o genocídio cigano, Liberté, ao mesmo tempo histórico e profético, estreou-se em Fevereiro nas salas francesas, em pleno debate sobre a identidade nacional. O debate, promovido pelo ministro da Imigração e da Identidade Nacional, o ex-socialista Éric Besson, abriu a via a inúmeras derrapagens e a generalidade dos analistas arruma a iniciativa como um fiasco político para Sarkozy. Para Gatlif, no entanto, anunciava apenas que o pior estava para vir.

"Os ciganos estão em França e na Europa do Sul desde o século XIV. Esta gente foi vítima nos anos 40 porque se queriam desembaraçar dela, por motivos racistas, de uma ideia de extermínio. Não é uma guerra entre militares, era o desejo de desembaraçar a França de ciganos", afirmou Gatlif ao PÚBLICO após a estreia do filme. "Era isso que tínhamos de contar no filme. E isso faz um eco para hoje. O eco é menos grave porque não estamos em 1940, mas há certas ideias e declarações de gente importante que fazem medo. Fazem muito medo. Que confirmam que ainda pensamos como nos anos 40. Entende? Ecos: tim... tam... tim..."

A imprensa francesa recordou este Verão que a primeira medida tomada pelas autoridades de Vichy a 16 de Julho de 1940, após o derrube da República a 10 e 11 de Julho, foi a promulgação de uma lei "relativa ao procedimento de retirada da qualidade de (nacional) francês". No dia seguinte, os naturalizados foram excluídos da função pública e, sucessivamente, ao longo do ano, das profissões de médico, dentista, farmacêutico, advogados, veterinários, arquitectos.

Os "ecos" a que aludia Toni Gatlif, imitando um piano ou um xilofone, foram sobretudo tocados por Éric Besson, até ao discurso de Grenoble. A partir de então, é o ministro do Interior, Brice Hortefeux, que possui no seu currículo uma condenação judicial por injúrias racistas, quem tem dado rosto ao endurecimento político de Paris. Ambos seguem uma paleta de temas predilectos ao ex-ministro do Interior Sarkozy: insegurança, imigração, identidade nacional.

"A ideologia sarkozysta é um formidável utensílio de instalação do servilismo voluntário e da banalização do mal", escreve ainda Serge Portelli no seu livro. "A sua cultura do resultado tem de cómodo o fornecer um quadro reconfortante ao desumano. Os planos, as estatísticas e os balanços fazem entrar não importa o quê no campo do mensurável e portanto da razão. Já não é preciso pensar", conclui o magistrado.

Numa entrevista a Le Monde em Julho de 2007, Henri Guaino, a pluma do Presidente e o único que no Eliseu, segundo a imprensa, trata Sarkozy por "tu", explicava que "a política é escrever uma história partilhada por aqueles que a fazem e aqueles a quem ela é destinada. Ninguém transforma um país se não for capaz de escrever e contar uma história".

A meio do quinquénio, acossado da extrema-esquerda à extrema-direita pelos resultados das suas incontáveis reformas, criticado no estrangeiro, a braços com uma investigação judicial que mantém sobre um dos seus ministros suspeitas de trocas de favores políticos, acusado por um jornal de usar os serviços de contra-espionagem para proteger interesses pessoais, estóico perante as revelações de duas biografias sulfurosas que acabam de sair sobre a primeira-dama Carla Bruni, fustigado pelos sindicatos que o chamam "o Presidente dos milionários", Nicolas Sarkozy é, ainda, o incontestável epicentro da vida francesa. Um sol febril por relação ao qual se orquestram e alinham os movimentos de todo o sistema.

Sociólogos e linguistas têm analisado a linguagem particular de Sarkozy, que é a linguagem "de todos" e por isso faz sucesso junto do povo, segundo o Presidente. Notam esses especialistas que Sarkozy usa e abusa de uma morfologia que estilhaça a continuidade habitual entre sujeito e o verbo. Do género: "As pessoas deste país, elas querem..." Há quem tenha notado que "um pronome pessoal surge e impõe-se para governar o verbo", talvez metáfora de uma linguagem de poder que remonta, afinal, a Luís XIV. O Rei-Sol não disse "Eu sou o Estado" ou "O Estado é meu". Disse, à maneira emulada hoje por Sarkozy, "O Estado sou eu".

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