À quarta edição essa começa a ser a imagem de marca do festival. Os chamados palcos secundários não são subalternos. Do ponto de vista da qualidade de propostas já em anos anteriores se havia percebido isso. Mas ontem aconteceu algo inédito. A quantidade de público que se aglomerou no espaço onde evoluíram Florence And The Machine ou os The XX pedia meças ao número de pessoas que se posicionou em frente ao palco maior. Ainda bem. Um festival é feito disso: de escolhas, de curiosidade, de confirmações, claro, mas também de descobertas.
Foi isso que devem ter sentido os que não conheciam os Local Natives ou os americanos The Drums, que actuaram ao final da tarde. Os segundos, com álbum de estreia acabado de lançar, fazem uma pop descomprometida, algures entre os Ramones e os New Order, que funciona em palco. Logo aí deu para perceber que o espaço Super Bock iria ser um dos mais concorridos da noite, extravasando largamente a capacidade da sua cobertura.
O recinto esteve cheio, com filas à entrada e aglomerações no acesso à alimentação e bebidas. Ao final da tarde a entrada fazia-se regularmente, mas ao princípio da noite havia muitas queixas de demora nas filas, devido ao processo de troca de ingressos por pulseiras. A organização garante que amanhã - dia em que são esperadas 45 mil pessoas - não existirão grandes filas, até porque a maior parte delas já terá a pulseira que garante o acesso.
Devendra em português com sotaqueO primeiro grande momento musical aconteceu com o americano Devendra Banhart, num concerto de som soalheiro e relaxado, algures entre o rock, o tropicalismo ou o dub. Ecléctico, poliglota – falou muitas vezes em português de sotaque brasileiro – e sempre de sorriso ao canto do lábio, consegue que cada canção adopte um sentido universal, sem se remeter ao legado folk, que era a imagem de marca no seu início.
Ainda os portugueses Moonspell expunham o seu metal gótico quando a inglesa Florence Welch e a sua banda provocaram uma onda de aclamação generalizada, um pouco surpreendente para quem tem passado ao lado do fenómeno. De vestido branco transparente e esvoaçante, dominou como quis uma multidão que teve dificuldade em ver na plenitude um concerto que deveria ter acontecido no palco de maior envergadura. A sua música não é das mais previsíveis, uma pop celestial marcada por uma voz aguda e uma presença em palco eléctrica, saltando, pulando, incitando o público sem cessar. Já tinha muitos fãs em Portugal. Ontem deve ter ficado com mais. O mesmo com os The XX.
Poder-se-ia pensar que a sua música e atitude, algo introvertidas, se ressentisse num contexto disperso como é um festival. De alguma forma isso aconteceu, mas nada que tivesse comprometido o resultado final. À sua volta gera-se uma verdadeira algazarra, mas eles mantém-se compenetrados, sóbrios, graciosos. Canção atrás de canção, de “Islands” a “VCR”, a cadência é minimalista, o som do baixo encorpado, as vozes murmuram intimidade. Ficou provado: independentemente do contexto, as canções respiram e resistem. O culto pode prosseguir.
Os principais prejudicados pelo culto The xx são os ingleses Kasabian que não conseguem entusiasmar por aí além um público que já anseia pelos Faith No More. Antes já tinha tocado outro grupo rock que teve algum destaque nos anos 90 graças à vaga grunge, os Alice In Chains, expondo um som dinâmico e poderoso, que não envergonhou, mas também não chegou para encantar. Quem era convertido assim ficou. Os outros, nem tanto.
Regresso aos 90Com os Faith No More o regresso aos anos 90 persistiu. O grupo começou na segunda metade dos anos 80, mas foi no início dos 90 que veio a alcançar popularidade. No seu caso, a imprevisibilidade faz parte do corpo genético. Em grande parte por Mike Patton, o vocalista possesso, capaz de passar da irrisão à fúria no mesmo esgar vocal. Foi um concerto algo desigual.
Como em quase todos os regressos ao activo de grupos que há muito se haviam separado, existem uma série de contradições de difícil resolução. Os Faith No More não são o tipo de grupo que goste de se repetir. Sempre foram ecléticos e ontem fizeram questão de o mostrar. Há um lado de auto-ironia – visível até no cenário e nas roupas, como se estivessem num casino – e de fintar expectativas, que tanto faz a banda recordar “Midnight cowboy” de Angel Dust ou expor uma veia dissonante que não provoca grande consenso, como de seguida passar para uma cavalgada agressiva em “From out of nowhere” ou “Be agressive.”
Passam da melodia acetinada para a guitarrada hostil num ápice. Talvez por isso o público, a espaços, pareça atordoado. Patton é um verdadeiro mestre-de-cerimónias: expõe um português correcto de sotaque brasileiro – cantou em português “Evidence” – contorce-se em palco, lança-se sobre a assistência, evoca Cristiano Ronaldo e um expõe um naipe de possibilidades vocais inacreditável, mas o que todos querem ouvir é os sucessos de sempre. E é aí, quando o grupo arranca sem retoques exploratórios para “Easy”, “Ashes to ashes” ou “Midlife crisis” que a comunhão acontece verdadeiramente entre palco e plateia.
Se no palco principal o serão foi de anos 90, nos outros espaços tivemos direito aos novíssimos 00, como a pop electrónica de La Roux ou os devaneios dançantes do chileno Matias Aguayo e a sua trupe, um enérgico “sistema de som” electrónico, com propriedades tropicais, que fez bailar até os mais inflexíveis.
Hoje ainda há bilhetes para ver Deftones, Manic Street Preachers, The Gossip, Mão Morta ou Buraka Som Sistema. Amanhã, dia em que o festival encerra, com Pearl Jam ou LCD Soundsystem, a lotação já se encontra esgotada. Serão cerca de 45 mil pessoas.