Anabela Moreira, actriz do método

Quando João Canijo lhe pediu para fazer "Mal Nascida", no dia seguinte Anabela Moreira estava a caminho de Codeçoso, Minho, a aldeia onde o filme foi rodado, mesmo sem ter lido o guião. Mais provas da entrega com que se atirou ao papel: passou um mês com a família que vivia no "décor", cuidou de animais, engordou 25 quilos - ideia dela. "Quase todas as pessoas daquela aldeia tinham uma corporalidade diferente da minha, eu ali no meio quase parecia uma modelo."

João Canijo: "A Anabela tem a qualidade de ser maluca e sujeita-se a isso. Mas não consigo que os outros actores façam isso. E isso é um defeito português, porque os americanos fazem-no. O exemplo clássico é o Robert De Niro andar a conduzir táxis em Nova Iorque durante seis meses. Não é uma questão de imitação, é uma questão de ser contagiado. E o contágio, só com a continuidade, com a insistência..."

Para "Sangue do Meu Sangue", Canijo pediu à actriz para ir viver para o Bairro Padre Cruz, durante "15 dias, mais ou menos". E ela foi ficando. As filmagens no "décor" já começaram e ela continua a viver lá. "Arrisquei ficar mais tempo. Mas nunca pensei continuar aqui durante as filmagens", diz. A verdade é que isso se começou a notar no seu trabalho. "Os ensaios que o João Canijo fez com os actores foram sendo filmados e houve uma grande diferença da minha parte em relação ao que já tínhamos feito. Estava mais dura, com um ar mais pesado."

É um método que lhe vai bem. Quando já estava a viver no "décor" do filme, Anabela participou num "workshop" no Teatro Nacional D. Maria II sobre a técnica Stanislavski e lembra-se de ter ouvido a frase: "Ser-se actor deixa marcas".

O método de Canijo, justifica, "é uma tentativa de aproximação à personagem para que não parta tudo de um ‘cliché'. Não é que eu sirva de referência, mas já me aconteceu ver os outros actores a representarem uma cena e dizer: ‘É isso mesmo'. Ou: ‘Uma pessoa daqui nunca falaria assim.' Os ‘clichés' do que é ser pobre e viver no Bairro Padre Cruz acabam por ser desmistificados. Esses ‘clichés' são os maiores obstáculos quando se procura a verdade enquanto actor."

Não é só uma questão de ser contagiado nos pormenores, "coisas muito subtis" - como "falar com as pessoas no café e deixar ser corrompida pelo português delas". É procurar entender as pessoas, com a disponibilidade do olhar - de qualquer forma, ser actor é uma ciência humana, daí a empatia que muitos criam com as suas personagens, por mais sórdidas que possam ser. "A maioria das pessoas da equipa, quando chegou aqui o primeiro dia para filmar, ficou horrorizada com os vizinhos do lado, o senhor António e a dona Manuela, com o cheiro, a linguagem, a forma como eles vivem. Ao fim de algum tempo de estar aqui, o sentimento que eu tinha em relação a eles é diferente. Vivem num estado de desilusão total com a vida. Só estão a tentar sobreviver. E isso é que o João Canijo está a tentar fazer com este filme: como é que o amor sobrevive em condições extremas."

Mas Anabela faz questão de dizer que "não é defensora de nada". "Não acho que exista um método. Cada actor vai descobrindo como é que funciona melhor. Isto também é contraproducente, o que estou a fazer. Quando chega a altura da rodagem deves estar relaxada, concentrada, para conseguires fazer o melhor. Ao estar a fazer esta experiência, estou um pouco cansada. Não vim para aqui com o meu iPod, não trouxe o meu computador. Não vim para aqui viver outra coisa."

As pessoas do bairro sabem que ela é actriz?

"Algumas sabem mas esquecem-se. No princípio pensavam que eu era da Câmara, ou assistente social. Estive três dias fora, em casa, e o vizinho do lado perguntou: ‘A menina não esteve aqui, onde é que andou?' Esquecem-se que sou actriz. Também porque, na cabeça deles, ser actriz não é isto.

Associam um actor a um determinado estilo de vida. Vêem a equipa, vêem as câmaras, e mesmo assim não têm noção." K.G.

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