Este é um pedaço de utopia cinematográfica, porque o cinema italiano já foi assim e já não é, nem voltará a sê-lo. "La Nostra Vita" é um filmezinho impossível. Daniele Luchetti, o realizador, di-lo assim: "Senti que há muito tempo não tínhamos uma história sobre a vida destas pessoas contada com honestidade e objectividade. Estas pessoas estiveram presentes no nosso cinema durante muito tempo, mas hoje só as vemos esporadicamente."
Luchetti, em competição em Cannes pela segunda vez depois de "Il Portaborse" (1991), está a falar de um património cinematografico, gente como Dino Risi, Mario Monicelli ou Luigi Comencini (começou mais lá atrás, é claro, e havia outros). Está a falar de gente como esta família em dificuldades dos subúrbios de Roma, de um jovem pai que fica viúvo, com os filhos nos braços, da luta de gente anónima que não ascende ao escalão de personagem. La Nostra Vita filma com grandeza (sendo um pequeno filme), capacidade de maravilhamento (e aí é destemido) e um sentido de melodrama e comédia (e até de musical) de que a cinematografia italiana não é capaz há décadas.
É sobre gente verdadeira, mas não podia resultar mais falso (e cinematograficamente nulo) o filme de Doug Liman, Fair Game. Baseado na história real do ex-embaixador americano Joseph Wilson (Sean Penn), que descobre a falsidade dos documentos que serviram à Administração Bush para desencadear a guerra no Iraque, e da tentativa governamental de desacreditar Wilson expondo as actividades da mulher (Naomi Watts) como agente da CIA, é a enésima versão do thriller mais ou menos político. Desta vez combinada com retrato de conjugalidade. Não concretiza em nenhum dos campos - é mecânico e superficial nos dois.