Frederick Wiseman, 80 anos, foi ao ginásio

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Wiseman em 2008 na Culturgest Rui Gaudêncio

Frederick Wiseman, 39.º round. "Este é o meu filme de acção." O seu action movie, depois da ofensiva de diálogos de "State Legislature" (2007). Mas como diz o documentarista norte-americano, 80 anos, é a mesma violência da sociedade americana que costuma circunscrever em todos os filmes, desde "Titicut Follies" (1967): tensa e ritualizada.

Wiseman, em "Boxing Gym" (Quinzena dos Realizadores), vai a um ginásio de boxe de Austin, Texas - um daqueles que existem nas traseiras das grandes cidades, sem futuros campeões mas com a sociedade americana ali metida, por 50 dólares por ano: homens e mulheres (e crianças), corpos diversos, e as pequenas ficções que (apenas) se esboçam a partir das suas vidas.

A câmara, uma câmara apenas, também faz o seu desporto naquele ginásio de Austin, mudando de posição, procurando as danças dos pés, por exemplo. Mas o treino completo mete som e montagem. Vejam-se os números e factos avançados pelo próprio cineasta: seis semanas de rodagem deram origem a oito meses passados na sala de montagem, e uma hora e meia de "Boxing Gym" corresponde apenas a dois por cento do material filmado.

Vale a pena ouvir Wiseman falar do seu método de trabalho neste filme. Depois da rodagem, viu todo o material, rejeitou logo 50 por cento, e trabalhou sobre a metade que guardou, os 50 por cento candidatos a fazerem parte de "Boxing Gym". Montou-os, e foi com essa versão que, ao longo de oito meses, procurou a estrutura do filme.

Se compararmos a hora e meia de "Boxing Gym" com os 150 minutos de "La Danse-Le Ballet de l'Opera de Paris" (2009), os 217 minutos de "Starte Legislature", os 196 de cada uma das partes de "Domestic Violence I" e II (2001 e 2002) ou os 223 minutos de "La Comédie-Française" ou "L'Amour Joué" (1996), pode fazer figura de peso leve. Wiseman não gostaria que se olhasse para "Boxing Gym" como um back to basics.

"As pessoas dirão que este filme é mais wisemanesque do que outros, se acharem que as pessoas pobres é que me interessam ou que a minha função é mostrar as injustiças. Mas não. Todos os acontecimentos humanos me interessam. Mesmo a "Comédie-Française"." Mas "Boxing Gym" é um filme (in)tenso, direccionado, um filme que esteve a treinar para os seus objectivos, enxuto, que foi ao ginásio, um filme de acção - nesse sentido, se não wisemanesque, profundamente americano. Veja-se como Wiseman parece apanhar em andamento uma conversa no ginásio a propósito do massacre no campus da Virginia Tech University, em Blacksburg (em 2007), mas como esse diálogo faz figura de síntese de uma experiência física, sonora e visual, pela qual o espectador passou.

"Na montagem, tenho de fazer a análise de todos os gestos. Tenho de perceber por que é que a uma sequência aparece antes de outra, o que é que os dez minutos iniciais têm a ver com os dez minutos finais", resumia o realizador num encontro com a imprensa a seguir à projecção do seu filme.

E quando é que acha, Mr. Wiseman, que já filmou tudo o que tinha a filmar, que já tem o material que precisa para o filme?... "Se estou num motel, quando fico farto de estar lá..."

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