A colecção de discos dedicada a Schubert que Matthias Goerne tem vinda a registar na Harmonia Mundi com diferentes pianistas vai apenas no quarto volume - prevêem-se 11 até 2011 - mas não é arriscado dizer-se que é já um marco na discografia da canção de câmara germânica. As interpretações são também um excelente testemunho de um ponto alto carreira do barítono alemão, marcada por uma crescente maturidade e um perfil vocal com forte identidade.
Este quarto volume, intitulado "Heliopolis" sob a inspiração dos dois Lieder homónimos D. 753 e D. 754, centra-se em grande parte em canções que evocam figuras míticas e lendas da Grécia Antiga. Tal como nos discos anteriores, e apesar da alusão à "cidade do Sol" expressa no título, o tom geral é mais sombrio do que luminoso, sendo marcado por uma profunda instrospecção.
Goerne possui uma voz belíssima que se foi tornando mais densa com os anos, mas que permanece capaz de produzir uma grande paleta de cores. Com uma técnica impecável e grande nobreza de fraseados faz-nos mergulhar em cada canção em mundos diversos e experimentar uma grande variedade de emoções. Em vez de miniaturas de salão (como por vezes surgem noutras interpretações), na voz deste distinto discípulo de Fischer-Dieskau e Elisabeth Schwarzkopt, as canções revelam uma profundidade impressionante, traduzem dramas e paixões (que o Goerne não se inibe de vincar de forma veemente) ou surgem como visões fugazes ou aforismos poéticos. A versatilidade com que Goerne oscila entre a pujança rítmica e assertiva e a beleza do "cantabile" está bem patente em "An die Lieder" ou nas duas versões contrastantes de "Heliopolis". Há também momentos de pura magia, com inspiradas nuances, por exemplo na singeleza refinada de "Wandrers Lied", em "Der König in Thule", "Blondel zu marien" ou "Pilgerweise". O piano de Ingo Metzmacher é também um poderoso auxiliar na caracterização de cada peça, formando uma eficaz parceria com o cantor. O CD é acompanhado por um DVD de 17 minutos com o "making of" da gravação.