Há carros a mais em "Invictus", um filme em que o râguebi que se joga é fraco

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Erros em filmes não são tão raros como se possa pensar e existem até muitos sites na Internet, como o www.moviemistakes.com, que se dedicam a dissecá-los. Acontece aos melhores e nem um autor tão aclamado e formalmente cuidadoso como Clint Eastwood escapa. O seu mais recente filme, "Invictus", conta como Nelson Mandela, interpretado por Morgan Freeman, usou um acontecimento desportivo, a Taça do Mundo de Râguebi de 1995, para unir política e socialmente uma nação em risco de desagregação.

O problema é esse, a acção desenrola-se em 1995. Por isso, não se percebe por que é que se vê um automóvel que só começou a ser vendido dez anos mais tarde, em 2005, numa cena em que a selecção nacional de râguebi da África do Sul corre pelas ruas antes da épica final frente à Nova Zelândia. O "intruso" anacrónico é um pequeno Hyundai Getz, lançado em 2002, remodelado em 2005 e que deixou de ser comercializado em 2009 para dar lugar ao actual i20. O exemplar que se vê junto a uma esquina corresponde ao modelo remodelado, pelo que será datado de 2005 ou de um ano posterior.

Clint Eastwood é um apreciador de automóveis, mas esta característica de pouco lhe terá valido no caso. Os americanos apreciam carros grandes e, talvez por essa razão, a Hyundai nunca vendeu o Getz nos EUA. Seria portanto difícil para um realizador norte-americano e respectiva equipa detectarem esta presença indesejável. O carro mais pequeno que a Hyundai vendeu nos EUA foi o Accent e o mais perto que se pode encontrar um Getz é na América do Sul.

Mas, para além de um automóvel fora de tempo, será que há mais coisas que correram mal neste filme? Para quem conhece as regras do râguebi, algumas coisas. O ano de 1995 marcou, sem dúvida, uma nova era no râguebi. Após o final do apartheid, a África do Sul foi o país escolhido para receber a fase final de um Mundial de râguebi. Ao simbolismo da escolha do país de Nelson Mandela, acrescentava-se o facto de esta ser a primeira competição em que os sul-africanos eram aceites a nível internacional como selecção em provas oficiais. Em apenas um mês, o tempo que durou a competição, o râguebi acabou por mudar para sempre um país.

Falhas infantis em campo

A intensidade e a força da história, com Nelson Mandela como figura central, começou por cativar a atenção de Morgan Freeman, que, depois, arrastou Clint Eastwood para a realização. Os dois tinham ao seu alcance um feito épico para retratar: os Springbooks (como é conhecida a selecção de râguebi da África do Sul) conseguiram unir um país que, antes de 25 de Maio de 1995, se encontrava dividido pelo apartheid e, a isso, acrescentaram uma surpreende vitória sobre os poderosos e favoritos All Blacks (selecção da Nova Zelândia).

Eastwood e Freeman tinham tudo. Mas o filme acabou por saber a pouco. As imagens de Matt Damon no relvado a fazer de François Pienaar (capitão da selecção sul-africana), de Scott Eastwood no papel de Joel Stransky ou de Zak Feaunati a interpretar o impressionante Jonah Lomu são uma desilusão e evidenciam erros. Para além da fraca intensidade das cenas em que são recriadas sequências dos jogos (os jogadores/actores fogem aos contactos e parecem correr em câmara lenta), são vários os momentos em que nos surgem na tela imagens de jogadas em que os actores cometem infantis infracções às regras.

E tudo continua como se nada se passasse. Um dos casos mais flagrantes é protagonizado pelo actor que na final desempenha o papel de Andrew Mehrtens, o n.º 10 da Nova Zelândia e um dos mais carismáticos jogadores dos All Blacks. Para além da enorme qualidade como distribuidor de jogo à mão (jogava como médio-abertura), Mehrtens era temível no jogo ao pé e um dos melhores jogadores de sempre de râguebi nessa especialidade. O actor que desempenha o papel de Mehrtens e a bola parecem ter tudo menos uma relação de amizade: um jogador de uma equipa portuguesa de iniciados daria um melhor pontapé de saída do que o Andrew Mehrtens do filme.

O râguebi ainda não está no topo das preferências dos norte-americanos. É espectável que Eastwood e Freeman desconheçam as regras. Isso, no entanto, não serve, obviamente, de desculpa para o realizador. Para a dupla, o fundamental de "Invictus" foi, certamente, o lado político e humano da história vivida em 1995. No entanto, como mostrou, por exemplo, Oliver Stone em Um Domingo Qualquer, um filme com Al Pacino no papel de um treinador de futebol americano, é possível adaptar uma boa história (a de Stone era incomparavelmente mais fraca do que a de Eastwood) a um filme e tratar bem o desporto como pano de fundo. Em "Invictus", Eastwood, infelizmente, não conseguiu fazê-lo com o râguebi.

Mais um pormenor - os responsáveis da Nova Zelândia queixaram-se de terem sido "envenenados" antes do jogo decisivo. Laurie Mains, seleccionador dos All Blacks, afirmou que uma empregada chamada Suzie "envenenou deliberadamente" a água dos seus jogadores, que, na final do Mundial, jogaram limitados. Não há qualquer referência ao facto no filme.

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