O Natal fez de Camilla Läckberg escritora
É sueca e uma das mais jovens autoras de sucesso do “policial nórdico”. Foi economista mas o último Natal do milénio trouxe-lhe uma surpresa. “A Princesa de Gelo”, acabado de publicar por cá, estava para nascer
Fjällbacka é uma vila picaresca da rochosa e agreste costa oeste da Suécia, a norte de Gotemburgo, onde as antigas actividades piscatórias são já quase só uma lembrança. O mar calmo diante do pequeno e sossegado lugarejo turístico é pontuado por muitas ilhas pedregosas, algumas das quais são agora habitadas apenas durante os meses de Verão. Camilla Läckberg, uma das mais recentes e meteóricas estrelas do romance escandinavo, lá nascida em 1974, colocou Fjällbacka no mapa literário dos policiais nórdicos ao fazê-la cenário dos seus livros. Que são seis, até agora, e já traduzidos por toda a Europa e Estados Unidos.
"Não sei se seria capaz de escrever sobre Fjällbacka se ainda lá vivesse”, diz ela. “Para mim, o lugar é como uma personagem, e talvez a mais importante de todas. Mas como vivo em Estocolmo desde há dez anos, isso dá-me uma outra perspectiva da vila, um afastamento necessário para ficcionar. E fico muito contente porque as pessoas de lá têm orgulho nos meus livros, a tal ponto que já organizaram percursos turísticos para mostrar os lugares onde ‘vivem’ Erica e Patrik [os dois investigadores, ela escritora e ele um simpático polícia subalterno] e todos os outros que de vez em quando vão assomando às minhas histórias.”
Camilla Läckberg recebeu já por duas vezes o título de “escritor sueco do ano”, em 2004 e 2005. E o seu primeiro romance, “A Princesa de Gelo” (recentemente por cá publicado pela Oceanos), foi considerado o melhor policial publicado em França. Antes do êxito, Camilla licenciou-se em Economia na Universidade de Gotemburgo, e depois mudou-se para Estocolmo onde trabalhou vários anos como economista. Até ao dia em que tudo mudou. Ela conta. “Em 1999, o meu ex-marido ofereceu-me, por brincadeira, o melhor de todos os presentes de Natal, a frequência de um curso de escrita criativa chamado ‘Como escrever um policial’. ‘A Princesa de Gelo’ nasceu nesse curso, depois passaram uns anos até ser publicado. Eu sempre tinha pensado em escrever, mas ao mesmo tempo achava que isso não me era possível. Por isso, estudei Economia. Mas desde muito cedo que me interessava pelos romances policiais. Há qualquer coisa de escuro, que me interessa, na natureza humana. Eu acho que somos todos capazes de matar alguém, mas diferimos muito, de pessoa para pessoa, nas circunstâncias que nos levariam a ser capazes de o fazer. Sempre me interessei pelas dinâmicas do mal e sobre a sua natureza, em perceber se nós nascemos com ele ou se o aprendemos.”
Além do sangue
Desde há já algumas décadas que o romance policial escandinavo (e isto em clara oposição ao de raiz anglo-saxónica, “hard-boiled") se caracteriza pela sobreposição de uma vertente social ao indivíduo, ao criminoso, ao voyeurismo e ao sensacionalismo do sangue presente na cena do crime. Läckberg também não se desvia da tradição nórdica. “O sangue não é interessante, interessam-me mais os efeitos do crime em quem o comete, e como é que a comunidade reage, ou como é que a comunidade se comportou antes, o que é que escondia durante tanto tempo. Quando há um grupo grande de pessoas que vivem juntas durante muitos anos, como numa vila, há quase sempre qualquer coisa do passado que querem esquecer, esconder. Por vezes, são coisas que se passaram só com um ou dois dos seus elementos, mas todos se juntam para o proteger. Interessa-me descobrir esses mecanismos”, sublinha. Por isso, Camilla Läckberg - que começa cada livro a partir de “uma espécie de fotografia” que tem na cabeça - dá tanta importância à psicologia das personagens, a fazer delas credíveis, deixando por vezes algumas fragilidades na própria história. “Foco-me muito nas personagens, nas pessoas envolvidas na trama. E acho que o grande sucesso dos meus livros vem de eu contar uma história de pessoas normais, mas que foram apanhadas em situações extraordinárias.” Em “A Princesa do Gelo”, as personagens principais, a escritora de biografias e o jovem e inexperiente polícia que segue as pistas apontadas quase sempre por Erica, não têm os tiques detectivescos que o cinema americano ou britânico imortalizaram. “Erica tem muito de mim e da minha vida; apesar de não sermos idênticas temos muito em comum. O polícia Patrick é o meu ex-marido.”
Para além das razões por ela já apontadas para o êxito doméstico, está ainda por esclarecer a razão do actual sucesso internacional dos policiais nórdicos, por vezes autênticas séries de culto como a trilogia “Millenium”, do malogrado Stieg Larsson. “Há uma grande tradição de policiais na Suécia. E os primeiros a escrevê-los colocaram a fasquia da qualidade já muito elevada, Per Wahlöö e Maj Sjöwall [por cá tiveram há muitos anos um livro publicado pela Editorial Caminho]. Daí para a frente, só o que se lhes equiparava é que sobrevivia. Mas também penso que a sociedade sueca e a natureza que nos envolve dão um bom cenário.”