África paralisou cimeira com medo da morte de Quioto
Os países em desenvolvimento suspenderam por várias horas as sessões oficiais da conferência das Nações Unidas, acusando os países ricos de estarem a tentar acabar com o Protocolo de Quioto. Ao mesmo tempo, centenas de delegados, observadores, jornalistas e activistas enfrentaram horas intermináveis de espera para conseguir entrar no centro de conferências Bella Center, devido à afluência-recorde à cimeira.
Às 10h30, enquanto filas monumentais permaneciam quase paradas do lado de fora, o grupo G77-China, que representa os países em desenvolvimento, recusou-se a participar na sessão plenária que teria início naquela altura. Numa iniciativa liderada pelas 53 nações africanas, o boicote levou à suspensão dos trabalhos.
O que os países em desenvolvimento argumentam é que o futuro do Protocolo de Quioto - que tem metas vinculativas de redução de emissões de carbono para o mundo industrializado até 2012 - não está a ter a atenção que merecia.
As negociações para um novo tratado climático têm sido conduzidas em duas frentes. Uma é precisamente sobre o Protocolo de Quioto, do qual os Estados Unidos não fazem parte. A outra procura fixar uma nova via de cooperação internacional ao abrigo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que integra os EUA.
Alguns países desenvolvidos, como o Japão, a Rússia e a Austrália, não querem discutir novas metas de redução de emissões pós-2012 no âmbito de Quioto, sem haver um compromisso de todos os países através da segunda via de negociação. O resultado mais provável seria um único acordo, eventualmente fundindo ambos.
Mas os países em desenvolvimento não querem que o protocolo, que está em vigor desde 2005, seja colocado em causa por algo que ainda nem sequer está no papel. Isto significaria "aceitar a morte do único instrumento legalmente vinculativo que existe agora", disse o argelino Kamel Djemouai, líder do grupo do países africanos, numa conferência de imprensa. "Precisamos de resultados em duas vias", salientou.
Os trabalhos estiveram interrompidos até às 15h00. Retomados, incidiram essencialmente sobre como seriam discutidos os assuntos que estão sobre a mesa e não sobre o conteúdo dos temas em si. Ao fim da tarde, grupos restritos de ministros estavam reunidos em separado para debater os pontos mais sensíveis para um acordo em Copenhaga. Como resultado da pressão dos países em desenvolvimento, os trabalhos começaram pelo lado do Protocolo de Quioto.
Mas ainda assim não resolveram as queixas. "Estamos apenas a falar e a falar novamente. Neste momento, não estamos a conseguir nada", disse o líder do grupo africano, Kamel Djemouai, numa segunda conferência de imprensa, ao princípio da noite.
Tempo escasseiaA interrupção das sessões e a discussão formal que se seguiu levantaram preocupações sobre o tempo que resta - apenas quatro dias - para resolver os inúmeros pontos de conflito no caminho de um novo tratado climático. "É fundamental que os ministros sejam aproveitados ao máximo", disse Nuno Lacasta, chefe da delegação portuguesa.
A ideia seria resolver a maior parte dos assuntos técnicos e políticos, deixando apenas as matérias mais polémicas sobre a mesa, para decisão dos líderes mundiais, nos dois últimos dias da cimeira. Para dar mais impulso às negociações, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, decidiu antecipar em dois dias a sua presença em Copenhaga, aonde chegará já hoje.
Fora do Bella Center, uma série de pequenas manifestações animou a cidade de Copenhaga. Quatro militantes da organização ecologista Greenpeace percorreram a cavalo as ruas da capital dinamarquesa, vestidos de cavaleiros do Apocalipse. A acção terminou diante do Parlamento, chamando atenção para os potenciais perigos do aquecimento global.
Entretanto, um estudo divulgado ontem revela que Copenhaga será a conferência climática da ONU com maior "pegada" de carbono. Nas duas semanas da cimeira, serão emitidos cerca de 46.200 toneladas de CO2 - o equivalente às emissões de 2300 norte-americanos ou 660 mil etíopes. A maior parte (40.500 toneladas) refere-se aos voos para transportar os participantes. O resto (5700 toneladas) é da conferência em si.