A história de Vieira da Silva e Arpad Szenes conta-se nos sete espaços que foram ateliers
Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes conheceram-se em 1928 em Paris e rapidamente souberam que ficariam juntos para o resto da vida, na intimidade e no trabalho. Ao longo dos anos, essa união confundiu-se com a criação artística. Agora, a forma como a arte nasceu do próprio espaço onde o casal viveu e a maneira como esse espaço escolhido é revelador das necessidades de cada um em cada momento estão representadas na exposição Vieira da Silva e Arpad Szenes - Ateliers, inaugurada ontem na Sala do Cinzeiro 8 do Museu da Electricidade, da Fundação EDP.
São sete espaços, através dos quais se vê a evolução da obra de cada um dos pintores, mas também se adivinham as alegrias e as vicissitudes na vida do casal.
Só algumas das fotografias agora expostas (todas são do centro de documentação da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva e pertenciam ao casal) tinham antes sido mostradas. A exposição é resultado de mais uma parceria entre as duas fundações.
"Nela acompanhamos tanto a vida íntima como a profissional", diz Marina Bairrão Ruivo, comissária da exposição que reúne também desenhos e pinturas do casal.
"Ele foi um desenhador por excelência e ela era o modelo ideal, sentada a pintar. Era também o objecto afectivo dele", sublinha. Esta é a fase antes dos anos 1950, uma fase mais figurativa, "em que, por razões afectivas, estéticas e financeiras, eles se desenham muito um ao outro", continua.
Retratos e auto-retratos
"Os dois casaram-se em 1930 e até 1942 Arpad Szenes desenha-se quase obsessivamente a ele, também a ela e a eles como casal", acrescenta João Pinharanda, programador da exposição.
É só mais tarde que ambos deixam de partilhar o espaço enquanto artistas e viram-se mais para o exterior. É a fase em que para Arpad Szenes "o espaço se vai dissolvendo em luz e em cor", como se vê no quadro exposto Venise, de 1968, e Vieira da Silva "entra na teia das cidades e desaparece a necessidade de pintar o espaço interior", explica João Pinharanda.
Na primeira paragem deste roteiro de espaços muito pessoais onde viveu e trabalhou o casal, está um beijo captado numa fotografia de 1930 na Villa des Camélias em Paris, ao lado do beijo pintado em L"Alcôve, um óleo de Arpad Szenes de 1935.
Na passagem seguinte, no Alto de São Francisco, junto ao Jardim das Amoreiras, onde o casal viveu entre 1935 e 1936 e aí regressou mais tarde, o despojamento da casa com uma grande janela, de quadradinhos pequenos, translúcidos, que filtram a luz de uma forma muito particular, reencontra-se nas fotografias e nos desenhos de ambos. Vieira da Silva esconde-se por trás de um cavalete tanto numa fotografia como num desenho de Arpad. O piano, a lareira, a janela, a colcha, pequenos objectos de artesanato e cerâmica popular que a pintora coleccionava estão nas fotografias e de novo presentes nas pinturas e nos desenhos, como um reflexo ou um círculo que se fecha entre a vida e a obra.
Também o cadeirão de verga, que os acompanhou para todos os lugares por onde passaram, incluindo para o exílio forçado no Rio de Janeiro, e aparece em muitas fotografias, está duplamente retratado numa pintura e num auto-retrato de Arpad Szenes. Como estão também os encontros e jantares no próprio atelier, nos anos 1930 e 1940, quando viviam no Boulevard Saint-Jacques e juntavam os amigos artistas para falar de pintura.
A fase da consagração
É na segunda fase da vida neste atelier que o casal começa a ser conhecido. As fotografias passam cada vez mais a ser assinadas por fotógrafos consagrados que são também amigos do casal - Denise Colomb, Ursula Zangger, Rogi André. Ou Willy Maywald, autor de uma série de fotografias de grandes pintores nos seus ateliers e entre eles, mais uma vez, Vieira da Silva e Arpad Szenes. Uma série que "prova a importância que estes tiveram mas também a importância que os artistas atribuem aos ateliers", diz José Manuel dos Santos, director cultural da Fundação EDP. Mas a maioria das fotografias não é assinada, sendo também feitas por próprios ou por amigos que não eram artistas.
A exposição transporta-nos depois do Brasil para o regresso a Paris, e além do atelier do Boulevard Saint-Jacques para a casa da rue de l"Abbé Carton, o atelier da Denfert-Rochereau para onde Arpad Szenes se muda por precisar de estar sozinho para pintar e continuar a sua actividade como professor. Mais tarde, aparecem as temporadas na casa de campo de Yèvre-le-Chatel.
"Os ateliers são espaços que têm uma grande memória porque aí aconteceram muitas coisas que eles querem de alguma forma preservar pintando e é o que está mais próximo deles", explica José Manuel dos Santos. "Na carreira de um artista, o atelier começa por ser um espaço importantíssimo e o que esta exposição nos mostra é isso."