Agora o grande desafio do Bloco de Esquerda é descentralizar o poder
A prosperidade do partido ao longo de uma década é indubitável e hoje o Bloco é tido como um paradigma do sucesso político-partidário. Mesmo para aqueles que estão num campo oposto: "Daqui a dez anos queremos estar como o Bloco", repetia Rui Marques, líder do novo partido de centro-direita Movimento Esperança Portugal (MEP), nas últimas eleições europeias.
Mas o crescimento também traz algumas dores. Nomeadamente a moinha em torno da hierarquia interna. É sobretudo a insistência em concentrar o poder num núcleo muito restrito de pessoas que provoca divergências internas no Bloco. Francisco Louçã, o líder que continua a preferir a designação de "coordenador", rejeita a ideia de o processo decisório pertencer apenas a alguns dirigentes, assim como recusa a tese de algumas correntes internas exercerem mais influência do que outras. Aliás, "pertencer a um dos movimentos fundadores já não tem qualquer significado", sublinha. No entanto, ressalva, a diversidade é acarinhada no interior do Bloco. Até porque "um partido uniforme é um partido que não aprende nada".
Esta afirmação podia ter sido proferida por Gil Garcia. Mas com um sentido inverso. Porque, para o líder da Ruptura/FER, a chamada "ala es-querdista" do BE, representante portuguesa da Liga Internacional dos Trabalhadores (IV Internacional), a uniformidade é propositadamente alimentada por Louçã. Que com Luís Fazenda, Miguel Portas e Fernando Rosas compõem a cúpula do partido. "O bloquismo não se caracteriza por ser acrítico e entregar a três ou quatro líderes bem pensantes o que é que vão fazer em nome de todos nós", disse Garcia na VI Convenção do BE, em Fevereiro. A monopolização do poder resulta na "ostracização" dos bloquistas associados na Ruptura/FER: "Encarregam-se de nos afastar dos lugares elegíveis nas eleições". Nas legislativas de Setembro, Garcia foi colocado no 13.º lugar na lista de candidatos por Lisboa.
A "influência poderosa" dos dirigentes originários do PSR, da UDP e da Política XXI é também contestada por José Ferreira dos Santos, fundador do BE e representante da corrente Esquerda Nova na Mesa Nacional. Autarca em Matosinhos, foi um dos autores do documento Descobrir o caminho da alternativa socialista de poder, datado de Outubro, no qual se "denuncia" o "domínio" do BE "por uma "troika" de fundadores". Nesse grupo impera Louçã (vindo do PSR), que produz um "efeito eucalipto": "seca tudo à sua volta".
Criar uma "força sindical"O mediatismo dos dirigentes de topo pode também ser prejudicial para o partido. Daniel Oliveira, oriundo da Política XXI e ex-assessor do BE, opõe-se à imagem de um Bloco subjugado a "algumas pessoas com popularidade" - "isso seria suicidário", diz. Para o publicista, o grande desafio que agora se impõe é "dar um passo para uma maior descentralização de poderes". E o momento actual é propício a isso mesmo. "Tivemos um bom resultado eleitoral, não há eleições próximas e o resultado das autárquicas obriga a uma reflexão", explica. Estes motivos podem determinar a abertura de um debate interno que contribuirá para o futuro do BE. "Para garantir o futuro é preciso ter mais protagonistas", afirma.
Nesse futuro terá também de ser preenchida uma das lacunas do BE - uma ligação forte com os sindicatos. Oliveira entende que devem ser formados "quadros sindicais" e que o partido tem de combater as organizações sindicais enquanto "correias de transmissão partidárias". A criação de uma "força sindical diferente daquela que foi construída pelo PCP" está nos planos do BE, confirma Francisco Louçã. "Precisamos de criar uma relação diferente, não dirigista, entre a esquerda política e a esquerda social", nota, acreditando que este projecto poderá contribuir para o BE "passar os 20 por cento" nas próximas legislativas.
A Ruptura/FER não acredita, porém, nestas intenções. Para Gil Garcia, a "estratégia política" é a "aproximação ao PS", ainda que "nada disto seja revelado". "Enquanto o PS se mantiver no Governo, o BE continuará a subir eleitoralmente. Não querem interromper o mandato de José Sócrates", afirma, salientando que este "calculismo político-eleitoral" pretende tentar uma aproximação aos socialistas. Ou melhor, à ala alegrista, já que o líder bloquista não afasta a possibilidade de o BE apoiar uma eventual candidatura de Manuel Alegre a Belém.