Domingos Lopes deixa PCP com críticas
Domingos Lopes abandonou o PCP enviando à direcção uma carta de seis páginas, datada de 7 de Setembro último, em que deixa violentas críticas ideológicas e políticas mas também de actuação pessoal no partido. O gabinete de imprensa do PCP recusou fazer qualquer comentário à saída deste ex-membro do Comité Central, que militava há 40 anos.
Logo no início da carta, a que o PÚBLICO teve acesso, Domingos Lopes relata que "há oito anos" foi convidado para "ser cabeça de lista à Assembleia Municipal do Alandroal, tendo sido eleito e cumprido, sem que tenha havido o menor sinal de desentendimento entre todos os eleitos da CDU e entre estes e a direcção". Acrescenta que ninguém o contactou para as eleições autárquicas de 11 de Outubro e acusa: "Mas fizeram constar que eu tinha recusado o cargo e por isso foram obrigados a candidatar outro."
Na carta, Domingos Lopes refere-se implicitamente ao processo de contestação interna no final dos anos 80, que consistiu na elaboração de vários documentos de contestação à orientação político-ideológica da direcção e que culminou, após o golpe de Estado na URSS, a 19 de Agosto de 1991, na expulsão de Barros Moura, Raimundo Narciso e António Graça, bem como à saída de inúmeros militantes do PCP.
Domingos Lopes critica estes "casos, cuja resolução, à distância do tempo, permite vislumbrar um processo em que em vez de se tentar estancar o afastamento de militantes, antes se facilitou com os conhecidos clichés empregados em relação aos menos 'seguros'". Para concluir que "ficou claro que o centralismo democrático, tal como o entende a direcção do partido, é um modo mais ou menos expedito de controlo da linha política por si definida e da promoção dos quadros que com ela se identifiquem".
Ainda sobre a história, Domingos Lopes fala dos "sinais de esperança" que significaram a eleição de Carlos Carvalhas e o Novo Impulso, que "rapidamente foram suplantados por outros de retrocesso". E confirma o papel negativo que desempenhou Álvaro Cunhal: "Contrariando a orientação que impunha aos dirigentes do partido a restrição de não falar para a imprensa sem consulta prévia à direcção e fora da sua orientação, A. Cunhal deu conta a jornais estrangeiros, nomeadamente ao El Mundo de Espanha, que havia um sector liquidacionista na direcção do PCP."
E recorda os "processos disciplinares com vista a sancionar destacados militantes dirigentes do partido como Carlos Brito, Edgar Correia, Carlos Luís Figueira", que levaram à suspensão do primeiro de militante e à expulsão dos dois últimos, antes do Congresso de 2000, para considerar que "estes factos abalaram profundamente o partido". Este "processo de 'purificação'", diz ainda, "tem levado à saída de centenas de quadros" do PCP.
Atraso internacionalFrisando que "o último Congresso do partido passou uma esponja pelo congresso extraordinário de Loures", este antigo responsável pelo departamento internacional do partido frisa que "o PCP continua a ser o único partido no mundo que mantém o apoio à invasão da Checoslováquia, em 1969, pelas tropas do Pacto de Varsóvia, ao golpe militar da Polónia que levou Jaruzelsky ao poder, à invasão do Afeganistão pelas tropas da URSS".
Sublinha que "a direcção do PCP considera, de acordo com o seu último congresso, que países como Coreia do Norte e China se orientam para o socialismo, quando o primeiro não passa de uma ditadura familiar brutal que abusivamente se apoderou do simbolismo do socialismo para o ridicularizar" e a China "emerge como uma ditadura do aparelho do partido e do aparelho militar com vista à implantação do capitalismo com o mínimo de sobressaltos sociais".
Já sobre a União Europeia, Domingos Lopes lança várias interrogações: "No plano europeu, quais são as propostas que vão no sentido de contribuir para a unidade de todas as forças europeias que se opõem a esta orientação neoliberal e belicista da União Europeia?" Para dar a resposta: "Apenas a recitação de que os destinos de Portugal se decidem em Portugal... Este solipsismo não é criador de nada. Apenas de vazio", afirma, acusando: "A direcção do partido escudou-se numa espécie de cartilha verbalista pseudo-revolucionária, cujo objectivo principal é manter o seu poder no partido mesmo à conta do afastamento de milhares de militantes e dirigentes."
Acusa a direcção de não ter "qualquer proposta a fazer às outras formações e forças políticas de esquerda para derrotar a política neoliberal conduzida pelo PS", nem de ser "capaz de o fazer para as eleições autárquicas de Lisboa". E questiona: "Quais são as propostas do PCP para fazer sair o país da crise? Está o PCP em condições de sozinho fazer sair o país da crise? Se sim, como vai chegar ao poder? Se não está em condições de o fazer sozinho, com quem vai fazê-lo?".