São 472 os "screen tests" produzidos por Andy Warhol, sobretudo entre 1964 e 1968, na Silver Factory, Nova Iorque, a primeira das linhas de montagem habitada pelo artista americano e assim designada devido à decoração prateada concebida pelo fotógrafo Billy Name, que também ali instalou o famoso sofá vermelho, encontrado na rua - por isso alguns aproximam esses retratos filmados de uma sessão de psicanálise.
Situado no quinto andar do nº 231 na East 47th Street, em Midtown Manhattan, este "loft" foi o epicentro da cena artística nova-iorquina nos anos 1960. Frequentado por artistas, viciados em anfetaminas e outras drogas, estrelas porno, drag queens, músicos, era o espaço de todos os encontros, do absoluto artifício e permissividade. Como sublinhou Jonh Cale, um dos fundadores dos Velvet Underground, "enquanto uma pessoa fazia uma serigrafia, outra estava a filmar um 'screen test'." E acrescentou: "Todos os dias algo de novo."
No catálogo "Andy Warhol: A Factory", exposição que passou pelo Museu de Serralves, no Porto, há dez anos, o comissário da mostra, Germano Celant, considera que a primeira ruptura realizada pelo artista está relacionada com a sua produção cinematográfica: "O tempo, o tema, o desperdício, o falso, a abjecção, a pornografia, a sedução, a excitação, o duplo, a duração aparecem como confins transponíveis", nota o curador italiano. De forma a sustentar a sua afirmação, anexa uma frase de Warhol, tirada do livro "Popism", escrito por Drella - esse misto de Drácula e Cinderela que definia o artista - em colaboração com Pat Hackett: "Considero que os filmes deveriam apelar aos interesses mais escabrosos, isto é, da maneira que as coisas estão actualmente - os indivíduos estão alienados uns dos outros. Os filmes deviam então excitá-los"
A vida e a morte
Tal intenção, a excitação do espectador, parece porém distante dos "screen tests" e outros filmes minimalistas realizados por Warhol, que muitas vezes, depois de colocar a câmara fixa sobre um tripé e escolhido o plano, abandonava a rodagem, entregando à máquina e aos protagonistas o destino das imagens. Criava assim um ponto de vista único: o enquadramento definia os acontecimentos; tudo dependia não só das instruções dadas por Warhol, mas também da forma como cada um dos sujeitos filmados, os quais eram transformados em puros objectos, reagia às situações. A ideia de "tableau vivant" - a recriação de uma pintura num palco, em que se exigia a imobilidade dos intérpretes, prática usual no século XIX, nomeadamente após a invenção da fotografia -, pode ser aproximada deste modo de fazer, o qual cria uma distância intransponível entre cada trabalho e o espectador: é como se Warhol quisesse captar a vida na sua própria duração, contudo, nesse gesto, entrega-a irremediavelmente a uma morte - não existem diferenças entre o "Empire" (1964) - o Empire State Building filmado em tempo real, a preto e branco, sem som, durante oito horas -, e John Giorno a dormir em "Sleep" (1963), uma película com cinco horas.
Os "screen tests" - o último filme concerto do Curtas de Vila do Conde, protagonizado pela dupla Dean & Brita, ex-elementos dos Luna, acompanhados por Matt Sumrow e Anthony LaMarca, tem como ponto de partida 13 destes filmes - podem ser vistos como prolongamento das séries fotográficas realizadas por Warhol, desde a Primavera de 1963, nas "photomatons", cabines nas quais se obtêm uma sucessão de retratos, muitas vezes em diferentes poses, que ali são revelados em curto espaço de tempo - os instantâneos eram ainda usados como base das serigrafias criadas pelo pintor.
O primeiro "screen test" é o do seu assistente e performer Gerard Malanga, tendo sido realizado com uma câmara Bolex de 16mm, no primeiro estúdio de Warhol, a Fire House, assim designado por se situar num antigo quartel de bombeiros - quase todo o corpo de trabalho incluído sob a designação "screen test" foi concebido na Silver Factory, mas há excepções, como é também o caso do filme protagonizado por Marcel Duchamp.
Os fins dos "screen tests" eram diversos: tanto podiam servir para testar o potencial de cada retratado em vir a transformar-se numa estrela, ou numa "superstar", segundo a designação de Warhol, como para serem vendidos ao protagonista - um coleccionador, por exemplo. A cada modelo, o artista pedia para olhar para a câmara instalada num tripé, devendo manter-se quieto, sem mexer os olhos, durante o tempo de rodagem, cerca de três minutos: um exercício de resistência. Quem passava pela Factory era quase sempre sujeito a este ritual iniciático, resultando o conjunto dos filmes - a preto e branco e sem som - num impressionante documento de quem era quem na Nova Iorque dos anos 1960. O resultado era exibido informalmente na Factory - muitas vezes os "screen tests" eram agrupados nessas ocasiões - ou na cooperativa de realizadores (Film-makers' Co-op), em sessões semanais intituladas "Andy Warhol Serial".
Em Vila do Conde irão passar pelo ecrã, sábado, às 24h, Edie Sedgwick, Billy Name, Dennis Hopper, Nico, Ingrid Superstar, Lou Reed, Jane Holzer, entre outros. Embora fossem captados durante três minutos, o facto de serem projectados com uma velocidade mais lenta dá a estes retratos uma duração de quatro minutos, acentuando-lhes a estranheza e revelando-lhes outros detalhes. São instantes de absoluta e lenta magia: a revelação de cada face a face, entre máquina e modelo. Como aponta o ensaista David E. James: "A câmara é o analista silencioso que abandonou o sujeito à necessidade das suas fantásticas auto-projecções."