Fã de golfe, de póquer e de Ayrton Senna

Há quatro ou cinco ideias que estão coladas à vida de Rubens Barrichello. Foi o número dois de Schumacher na Ferrari (e volta a viver a situação na Brawn, com Button), é o piloto com mais presenças em Grandes Prémios de Fórmula 1 (279), foi um especialista em karting e uma espécie de protegido de Ayrton Senna. “Ele [Senna] sempre me ajudou na minha trajectória. Sempre foi uma pessoa que fez parte da minha vida e deu-me exemplo de garra e determinação”, disse ontem ao PÚBLICO o brasileiro, recordando o piloto que é o seu ídolo, juntamente com o pai. A vida de Barrichello na Fórmula 1 começou aos 21 anos (algo raro em 1993), depois de se ter destacado no Brasil nas provas de karting. Começou na Jordan (1993 a 1996), passou pela Stewart (1997 a 1999), antes de se mudar para a Ferrari (2000 a 2005), onde foi vice-campeão mundial em 2002 e 2004. Descontente com as ordens da equipa, que privilegiavam Michael Schumacher, mudou-se em 2006 para a Honda, onde viveu momentos complicados. Em 2007, não somou qualquer ponto. Este ano, regressa aos bons resultados, mas mesmo assim está a 26 pontos de Jenson Button, o grande dominador da temporada. Fora das pistas, Barrichello é um fã de golfe e póquer, como contou nos 15 minutos de conversa que o PÚBLICO dividiu com o semanário Autosport. “Adoro golfe. Tem uma grande semelhança com automobilismo. Você faz uma curva e já tem de estar pronto para a próxima, não importa se ela foi boa ou ruim”, explicou o brasileiro, que continua a gostar muito de karting, outro dos seus passatempos, além de estar com os filhos. “Rubinho” desvendou ainda um segredo sobre os tempos livres dos pilotos no fim-de-semana dos Grandes Prémios. É que se uns jogam PlayStation, outros dedicam-se ao póquer. Quem são eles? “Eu, Kubica, Fisichella, Alonso, Massa, Rosberg, e o Glock, às vezes”. E Barrichello ganha? “Sou positivo”, responde.H.D.S.


Rubens Barrichello: “Já poderia ter sido campeão”

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"Hoje em dia o mundo da Fórmula 1 é feio. É um mundo de guerra" Rui Gaudêncio
O Brasil ainda procura um campeão pós-Senna. O que falta?

Não sei dizer. Sem querer ser arrogante, acho que, com toda a minha aprendizagem e com todo o talento que Deus me deu, já poderia ter sido campeão. Mas é uma grande busca. É um mundo excelente de oportunidades, de aprendizagem e eu gostaria muito de ser o campeão mais velho da história [Fangio, aos 46, foi o mais velho de sempre; nos anos mais recentes, Damon Hill, com 36, foi o campeão mais veterano].


Acha que é possível este ano?

Sim.


Mas matematicamente já não depende de si. Mesmo que ganhe todas as corridas, o Button pode ficar em segundo e ser campeão...

Faltam 100 pontos ainda. Tenho de pensar no lado positivo. Se fosse a pensar no lado negativo, nem estaria a correr este ano.


Está numa situação em que a Brawn pode ser tentada a apostar mais no Button. Tem alguma indicação nesse sentido?

Não sei. Para a Brawn, é muito importante o campeonato de construtores e, desde que o campeonato de pilotos fique do lado da Brawn, não sei se se importa muito para um lado ou para o outro.


Não teme que o Button esteja a ser favorecido?

Nada a declarar. Tenho de acreditar que a equipa não tem razão para fazer isso.


O que é que distingue a Brawn? É uma equipa que não existia há meses e que aparece em primeiro lugar...

É uma equipa que aprendeu muito com os erros e que aprendeu a montar o pacote técnico. O motor Mercedes e os pneus slicks vieram só ajudar o carro. Surpreendeu-nos, porque esperávamos ser competitivos, mas não tão competitivos.


Encontra algum paralelo entre a actual situação e o que viveu na Ferrari, no tempo do Schumacher?

Só pelo lado competitivo do carro, que é superior [aos outros]. Em relação ao relacionamento, não tem nada a ver.


A Ferrari é uma equipa que permite esse sonho, mas, por outro lado, teve o Schumacher ao seu lado. Alguma vez se arrependeu de ter ido para a Ferrari?

Não. Nunca me afligiu o facto de competir contra um dos melhores. Se eu tenho condições para ser campeão, tenho de bater o melhor.


Acha que ainda é possível ficar na história como algo mais do que o piloto com mais presenças em Grandes Prémios?

Na Fórmula 1, só ficam aqueles que realmente acabam por ser bons. Houve muita gente boa que passou, ficou o seu tempo e depois foi embora. Acredito que estou lá não por ser bonito ou por ter pouco ou muito cabelo. Acredito que acreditam no meu talento e, com certeza, é a isso que se deve a minha permanência.


Quando olha para trás, que impacto teve aquele acidente de Ímola [no fim-de-semana em que morreu Senna] na sua carreira?

A única mossa que deixou é que o nariz ainda é torto. Acho que todas as dificuldades nos dão oportunidade de ser melhores. Aquele fim-de-semana foi péssimo para um jovem de 22 anos que almejava ser o melhor da F1. Perdi um ídolo, perdi muita memória. Hoje recordo-me de quase tudo, mas não do acidente. Mas não ficou nada que me tornasse mais lento. Se isso tivesse acontecido, já teria parado há muito tempo, principalmente quando nasceram os meus filhos. Hoje, mesmo com a idade que tenho, muitas vezes acabo por ser um irresponsável na pista e é dessa forma que tem de ser para conduzir um F1.


O que faltou para ser campeão?

Os dados todos juntos. Já estive num carro competitivo, mas não tinha o suporte da equipa. Tive o Schumacher a bater, eu na pista para ganhar a corrida do Brasil em 2003 e acabou a gasolina. São situações...


Faltou sorte?

Não acredito em sorte, nem coincidência. Você faz um trabalho para você mesmo e é esse pensamento que vai levar-te onde queres. O Button tem sobressaído muito neste início de época, porque tem acreditado muito nele. Cabe-me acreditar mais em mim e observar menos o lado e fazer o meu papel.


Como vê estas discussões entre as equipas e a FIA sobre o futuro da F1?

A definição exacta é que hoje em dia o mundo da Fórmula 1 é feio. É um mundo de guerra, com cada um a querer mostrar mais poder do que o outro. Acredito e espero que, como dizemos no Brasil, tudo acabe em pizza. Quer dizer, que tudo chegue a um final da melhor forma possível. Espero que exista um só campeonato de F1 no ano que vem, em que as estrelas estejam competindo. E com mais equipas. Sou da época em que ia ao Rio de Janeiro e às cinco horas da manhã pulava o muro, porque havia 32 carros numa pré-classificação.


A F1 está pior do que há 16 anos, quando entrou?

No sentido de competição, não, porque hoje é tão árduo como no passado, mas no sentido do espectáculo sim.


Dos pilotos mais novos, quem mais o impressiona?

Hamilton, Vettel, Kubica, Alonso. Esses pilotos são, com certeza, os pilotos do futuro.


Algum deles é comparável aos grandes ídolos do passado, como Senna?

Eles vão ter de fazer muito ainda para poderem ser marcados como ídolos. Mas também é muito difícil comparar épocas na F1.


Mas, para si, o Senna será o melhor?

Vai ser difícil de bater. Haverá gente que diz que o Schumacher é melhor do que o Senna. Não competi na mesma equipa que o Senna e fica difícil a comparação. Mas o Schumacher era um fora-de-série, não tenham dúvidas.


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