O lado B de João Lencastre

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Em 2007 João Lencastre editou o seu primeiro disco. Chamava-se "One", reunia um conjunto de talentos nacionais e internacionais - que incluía o brilhante pianista Bill Carrothers - e mostrava um jazz desempoeirado, fresco. O disco foi considerado um dos melhores desse ano para o PÚBLICO.

Quem é então João Lencastre, este baterista com ideias bem definidas? Começou a tocar aos 13 anos, passou pela escola do Hot Clube e foi estudar para os EUA - passou largas temporadas em Nova Iorque, onde conheceu alguns dos músicos com quem agora trabalha. Essa perspectiva "exterior" talvez tenha sido importante para definir a sua música. Ao seu grupo chamou "Communion", porque o jazz deverá funcionar como forma de partilha.

Agora, dois anos passados após o disco de estreia, o baterista regressa com "B-Sides". Volta a reunir um conjunto de bons músicos ao seu redor e volta a investir numa música sem teias de aranha. Mudam alguns músicos, as ideias continuam originais. O título poderá levantar dúvidas: estaremos perante lados B, sobras, restos de outras gravações? Longe disso. O título surgiu quando Lencastre foi a Boston visitar Leo Genovese, o pianista do disco. "Ele estava a tocar com o Nat Mugavero, que um dia lhe diz: 'let's forget all the rules and everything and play our b-side!' ('vamos esquecer as regras e isso tudo e vamos tocar o nosso lado b!'). Então viro-me para o Leo e digo: 'é isto que eu quero para quando formos para o estúdio, vamos tocar o nosso b-side!' Esse conceito do "lado B" tem então a ver com não pensar muito e deixar a música fluir, arriscar.

Uma das grandes diferenças em relação ao primeiro disco é que este foi gravado quando Lencastre estava a morar em Nova Iorque. Naturalmente, participam músicos que moram na Big Apple (ou lá perto), como foi o caso do contrabaixista Thomas Morgan: "É dos meus baixistas favoritos da actualidade, senão mesmo o favorito. Adoro todo o trabalho que ele faz, aquela maneira de ele tocar - ele estava em Nova Iorque, foi fácil de conciliar." Dos vários colaboradores há um que se destaca particularmente: David Binney, saxofonista extraordinário, é uma das mais-valias de "B-Sides". "Já toco com o David Binney há vários anos, é um grande amigo e um músico que eu adoro."

O facto de tocar com estrangeiros pode ser um dos motivos para que a música resulte diferente daquilo que estamos habituados a ouvir no jazz português. O baterista não nega essa possibilidade, mas tem um acrescento a fazer: "Outro motivo também tem a ver com a maneira que quero tocar, com a visão que tenho da música. Sou bastante influenciado pelas coisas modernas de Nova Iorque, sou fã dos grupos dos músicos que tocam no meu disco, tento encontrar músicos que tenham a mesma visão que eu." De facto, ao ouvirmos "B-Sides" percebe-se que a sua visão assenta numa noção aberta de jazz moderno.

Liderança

No disco de estreia optou por servir-se de alguns temas mais populares - "Lonely Woman" (Ornette Coleman), "Summertime" e "New World" (de Björk, da banda sonora de "Dancer In the Dark"). No novo álbum essa faceta pop não é tão clara, mas também estará presente. "No 'B-Sides' alguns temas também têm um espírito rock, há os originais do Leo ... E também há duas peças 'free'." Além dos originais, há covers de Paul Motian e Steve Swallow, escolhas menos óbvias: "já tenho tocado o tema do Paul Motian há algum tempo, dá-me sempre imenso gozo tocá-lo ao vivo. O tema do Steve Swallow é uma balada lindíssima. E lembrei-me de pôr o Thomas Morgan a tocar o solo, que ele é um poeta, especialmente em baladas - fez um solo inacreditável."

O disco foi editado na Fresh Sound New Talent, editora com sede na Catalunha e boa visibilidade internacional, que edita Chris Cheek, Ron Horton e Jesus Santandreu. "Uma das vantagens de editar na Fresh Sound é que tem uma boa distribuição. Distribui para os EUA, para o Japão, para o resto da Europa..." E já quem em equipa que ganha não se mexe, a ligação à editora de Jordi Pujol deverá continuar no próximo projecto.

Ao longo da história do jazz não serão muitos os exemplos de bateristas que assumem a liderança - vamos tomar o caso de Art Blakey como a excepção que confirma a regra (e esquecer várias outras excepções). No caso de Lencastre, a necessidade de liderar o seu próprio grupo surgiu do facto de querer exprimir a sua visão pessoal: "Se estiver como 'sideman', e mesmo que esteja a adorar tocar essa música, estarei sempre a tocar a música de outros. Ter o meu grupo permite-me tocar à minha maneira, sem ter de me ajustar à estética de outro grupo ou às ordens do líder..." E este grupo não é fechado, os músicos não têm lugar fixo, podem mudar, a mudança faz parte da definição deste "Communion".

Além da actividade jazz, tem colaborado com o projecto Mantha de Tiago Bettencourt. A diferença de universos não é problema para o baterista, que está à vontade no pop-rock. "Quando estou a tocar não penso se é rock ou é jazz. Se oiço uma guitarra com distorção vou tocar forte, com uma batida contínua; se oiço um piano calminho se calhar toco com umas vassouras... Acho que a música que faço é apenas uma reacção ao que oiço no momento, não penso muito." A influência será, aliás, bidireccional: "quando estou a tocar jazz podem ouvir-se algumas influências rock, quando estou a tocar rock podem ouvir-se algumas influências jazz."

Durante o mês de Junho vai andar ocupado: nos dias 5 e 6 vai ao Hot Clube, dia 7 ao Out Jazz, dia 10 ao Chapitô, dia 11 ao CCB (Jazz às Quintas) e 12 e 13 a Coimbra. Em Setembro, entre 5 e 12, o grupo que gravou o disco vai andar em tourné. Lencastre contará com Thomas Morgan, Phil Grenadier, Benny Lackner ("o Leo não pode que está com a Esperanza Spalding") - quem quiser ver ao vivo uma interpretação mais fiel da música do disco não terá de esperar muito.

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