Escultor Carlos Nogueira desenha janela para capela de Berna

Foto

O escultor Carlos Nogueira recusa a designação de vitral para definir o trabalho que fez, a convite do arquitecto suíço Ueli Krauss, para uma capela em Berna, que foi ontem inaugurada. Prefere chamar-lhe janela. "Não quis fazer uma coisa com uma vertente tradicional", diz o escultor que nasceu em Moçambique em 1947. E explica em seguida que usou uma técnica diferente da de ligar vidros de cores distintas através de um banho de chumbo ou mesmo da de pintar os vidros.

Em vez disso, optou por fundir ele próprio, numa fábrica em Zurique, uma composição de vidros brancos, opalinos e translúcidos, que, no final, foram assentes numa grade de aço inox e criaram uma larga janela quadrada de três metros. Esta não só assegura a componente de iluminação natural do interior da capela como o faz através de um feixe de reflexos provocados pelas pequenas fenestrações que o escultor decidiu incluir na composição da obra - explorando, por exemplo, o jogo de reflexos proporcionado pela existência de um lago em frente ao pequeno templo.

Este não é o primeiro trabalho que Carlos Nogueira apresenta na capital suíça, como também não é a sua primeira associação ao arquitecto Ueli Krauss, que conheceu em Lisboa, no final dos anos 90, e de quem se tornou amigo. Ambos assinaram já, em co-autoria, uma outra obra em Berna - uma casa de apoio a uma bomba de gasolina. Aí, tratou-se de uma verdadeira parceria, já que pensaram em conjunto a composição e a estrutura desta pequena construção elíptica em pastilha branca e vidro.

Para a capela de Berna, que vai servir uma muito activa comunidade protestante, Ueli Krauss convidou Carlos Nogueira por ver na sua obra, de que se confessa um admirador, "um grande sentido de simplicidade e de equilíbrio" e também "uma consciência arquitectónica muito forte".

Krauss conhece bem, aliás, a arquitectura portuguesa, pois viveu e trabalhou em Portugal entre 1998 e 2002, atraído que se sentiu pelas aulas de Gonçalo Byrne, quando frequentava a Universidade de Lausanne. "Foi por causa dele que decidi ir trabalhar para Lisboa", diz ao P2. Em 1999, foi parar ao escritório de Siza Vieira, no Porto.

Regressou depois à Suíça e instalou atelier em Berna. No ano passado, convidou Carlos Nogueira para fazer esta intervenção na pequena capela do centro da cidade. Interessava-lhe, ainda, "o sentido de espiritualidade" e a capacidade de "transformar o caos em ordem" que reconhece existir na escultura do artista português.

Uma cruz em madeira

Para além da janela, Carlos Nogueira desenhou também, para o interior da capela, uma cruz, com mais de dois metros de altura. É uma peça integralmente em madeira, montada por encaixe, como um puzzle, e em que o braço esquerdo é mais longo do que o direito - "porque é o braço que está do lado do coração", justifica o artista.

A janela e a cruz feitas para Berna são a primeira intervenção do escultor no espaço religioso. Mas, na sua já longa carreira, em que se tem dedicado, para além da escultura, à pintura, ao desenho, à instalação e à performance, Carlos Nogueira tem sempre tido "o propósito de instituir a arte como lugar sagrado", escreve Miguel Wandschneider no ensaio Arte Portuguesa do Século XX (edição IAC - Lisboa, 1998). Este crítico de arte acrescenta que essa procura do sagrado não se faz "por exclusão ou desqualificação, mas, ao invés, por transfiguração e sublimação do que pertence à esfera do comum e do quotidiano - matérias, vivências, memórias".

Carlos Nogueira estudou Escultura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto e diplomou-se, depois, em Pintura, na escola de Lisboa. Mas, na sua vida e carreira, tem devotado também uma atenção especial à Arquitectura - inclusivamente como professor convidado da Universidade Autónoma de Lisboa.

De entre os trabalhos realizados na última década, destacam-se o Projecto de escultura para um projecto de arquitectura de Manuel Aires Mateus (2007), os Desenhos de construção com casa. e céu (2006), para a Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea de Almada, as esculturas em madeira Casa com esquina. a céu aberto (2006), para a Galeria 24b, em Oeiras, e Construção em lugar nenhum (2003), para a Galeria Luís Serpa, em Lisboa. Mas também a exposição individual A ver (2002), que realizou no Centro de Arte Moderna Azeredo Perdigão, na Gulbenkian, em Lisboa; e as instalações escultóricas Beyond the very edge of the earth (1999), para a Economist Plaza, em Londres, e para a Universidade de Brighton, em Inglaterra.

Sugerir correcção
Comentar